SOCIEDADE DE ASSISTÊNCIA AOS CEGOS
60 ANOS
Ensinando a Ver o Mundo
Blanchard Girão
Páginas: 140-144
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PATATIVA ADEUS
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Antônio
Gonçalves da Silva, o mais famoso poeta popular brasileiro, não seria um "poeta
cego", como Aderaldo, Sinfrônio, Esmeraldino e tantos mais. Mas cegou já adulto,
quando sua poesia conquistara fama, inclusive porque ele foi um cantor da natureza
deslumbrante da região em que nasceu, o Cariri cearense. Seus olhos, por muitos anos, se
encantaram com a serrania, as matas, a plumagem dos pássaros, fontes de inspiração para
sua alma de artista. Porém, perdeu a luz dos olhos, que tentou recuperar, bastante idoso,
conseguindo parcialmente o sucesso através de transplante de uma córnea. Certo dia, no
Palácio da Abolição, voltando de São Paulo com a alegria de novamente poder enxergar,
recitou para Violeta Arraes e outras pessoas, entre as quais se incluía o autor destas
linhas, um tocante poema de gratidão ao doador da córnea que restabeleceu a sua visão.
Infelizmente, Patativa não deixou escrita aquela peça da mais simples e bela poesia, que
se perdeu com o tempo, a exemplo de grande parte da imensa produção de seu estro. |
Em seu louvor, este registro apressado, feito quando os originais deste livro já se encontravam em composição gráfica, fechando este texto com alguns versos seus nos quais, aludindo à sua condição de cego, dizia não haver perdido a força de expressão:
"Com 90 anos de idade
Já não vejo a claridade
Que meu guia sempre vê
Porém me sinto ditoso
Com este título honroso
Que veio pra me reviverFaltam visão e audição
Mas não falta expressão
Pra falar do que percebo
Na minha simples linguagem
Agradeço a homenagem
Carinhosa que recebo."
Patativa recitou estes versos na solenidade em que a Universidade Federal do Ceará lhe outorgava o título de "Doutor Honoris Causa". Título idêntico lhe concederam a Universidade Rural do Cariri Urca e a Universidade Estadual do Ceará, o que valeu da parte do poeta esta risonha e talentosa referência:
"Com a minha timidez
Julgando, por minha vez,
Fico até encabulado
Um poeta agricultor
Com três títulos de Doutor
Sem nunca ter estudado."
Da sua produção de poeta cego, recolhemos do livro "Patativa e Outros Poetas do Assaré", editado pela Secretaria da Cultura do Estado do Ceará, este poema enternecedor:
"O Poeta Patativa e a
Sariema de Totelina"
Totelina, minha amiga
É preciso que eu lhe diga
Do que estou gozando aqui
Vale mais do que o cinema
O canto da Sariema
Que você possui aqui
Logo que amanhece o dia
Procuro, com alegria,
No ouvido colocar
Meu aparelho auditivo
Para escutar, compassivo,
A sariema cantarNo meu viver de poeta
Minha alegria é completa
Quando ela cantando está.
Sinto com muito carinho
Que estou vendo um pedacinho
Do sertão do Ceará"
Conclui o poema assim:
"Para os versos terminar
Vou a verdade afirmar
Nesta terra de Iracema:
Todos três merecem viva!
O poeta Patativa,
Totelina e a sariema".
Antônio Gonçalves da Silva, nosso imortal Patativa do Assaré, se insere num numeroso clã familiar de poetas, dentre os quais me refiro, neste livro, a Pedro Irismar, seu sobrinho, um deficiente que galgou posição no seio da comunidade cega do Ceará pela força de seu talento e vigor de sua determinação em superar a deficiência visual. Hoje, é professor especializado no ensino de cegos em Fortaleza.
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