SOCIEDADE DE ASSISTÊNCIA AOS CEGOS
60 ANOS
Ensinando a Ver o Mundo
Blanchard Girão
Páginas: 101-104
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A expressão popular
homem dos sete instrumentos se adequa, literalmente, a José Esmeraldino de
Vasconcelos, proeminente figura da comunidade cega do Ceará, com projeção nacional. Com
efeito, dono de extraordinário pendor musical, Esmeraldino era um virtuose no piano, no
violino, na gaita, bandolim, pandeiro, flauta, realejo, xilofone, serrote e no piano de
garrafas. Dez ao todo, mais do que os sete da definição do povo para o homem de
múltiplas habilidades. |
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POETA E ESCRITOR
José Esmeraldino de Vasconcelos não
restringia seu talento ao campo musical. Mostrava-se, igualmente, um brilhante escritor,
em prosa e verso.
Como contista, se consagraria nacionalmente ao conquistar, em
1949, o 1º lugar no Concurso Literário promovido pela Fundação para o Livro do
Cego no Brasil, com o conto O Diamante da Ilha. Este trabalho literário
foi inserido na revista Relevo, publicação destinada ao mundo dos
deficientes visuais, em sua edição de março de 1950.
A pedido de Hélio Góes, compôs música e letra do Hino do
Instituto dos Cegos, uma obra aclamada por sua beleza por quantos já tiveram ocasião de
ouvi-la.
Poeta primoroso, versejava fácil, deixando de herança vários
livros de poesia, ao lado de outros de contos e crônicas, numa demonstração inequívoca
de seu valor literário.
Extremamente religioso, puro em seu relacionamento com os
semelhantes, seu ideal de vida poderia ser resumido nesta sua quadrinha tocante:
Da Prática da Justiça
Para o mundo, é bom ser grande,
Mas, pra Deus, não serve, não;
Para Deus, só será grande,
Quem servir ao seu irmão
Dentro dessa filosofia, pautou seu
comportamento existencial sem um desvio sequer, entregando-se com total devoção ao
mister de contribuir no processo de integração social do cego, a partir do seu
Instituto. Em todos os momentos festivos, despontava como figura de proa, declamando
poesias, executando músicas suas ou de outros autores, nos muitos instrumentos que
dominava.
Francisco Tupynambá, recentemente falecido, seu conterrâneo de
Sobral, inseriu num dos números do folhetim diário que, durante anos, circulou
internamente no Instituto dos Cegos, estes versos do bardo conterrâneo, uma lição de
vida e otimismo para seus irmãos de infortúnio:
A ANSIOSA SOLICITUDE PELA VIDA
Por isso, recomendo:
Evitai ansiedades;
Deus sabe o que está fazendo,
Nas vossas necessidades
Olhai as aves do céu,
Não colhem, nem têm celeiros;
Embora vivendo ao léu,
Têm direito ao mundo inteiro
Olhai os lírios que crescem
No seio da natureza;
Não fiam, também não tecem
E ostentam tanta beleza
Nem o grande Salomão,
Com toda sua opulência,
Em nenhuma ocasião,
Trajou com tanta decência
Se Deus veste assim a erva,
A vencer tão pouca idade,
Que é que ao homem não reserva
Através da eternidade?
Portanto, as necessidades:
Vestir, comer e beber,
Revelam as qualidades
De quem, com Deus, quer viver
O PLANADOR DO ESMERALDINO
Autodidata, Esmeraldino Vasconcelos acumulou
conhecimentos variados em muitos campos. Todavia, ignora-se que tenha folheado algum
compêndio de Física. E aí se abre uma grande interrogação: como concebeu e construiu,
com as próprias mãos, um planador (avião sem motor), de reduzidas dimensões, que ele
fazia alçar vôo nas comemorações do Instituto dos Cegos arrancando os aplausos de um
público que acompanhava perplexo as acrobacias do aviãozinho do cego.
É um mistério essa incursão de Esmeraldino na área da
aerodinâmica, em mais uma prova do seu formidável e multiforme talento.
DEPOIMENTO VALIOSO
A professora Rutilene Maria de Sousa,
Coordenadora do Curso Pedagógico do Instituto dos Cegos, guarda um precioso documento
escrito por seu desaparecido esposo, Francisco Tupynambá, que é um dos poucos
referenciais encontrados sobre a obra e a personalidade desse grande nome da comunidade
cega do Ceará.
No jornalzinho do Instituto, edição de 27 de outubro de 1999, o
professor Tupynanbá dizia, entre outras coisas, do seu ilustre amigo e parente:
Para falar do professor Esmeraldino seriam necessárias
páginas e páginas; então, vou resumir - poeta com muitos livros publicados, exímio
músico, autor do Hino do Instituto dos Cegos Dr. Hélio Góes Ferreira, era antes e acima
de tudo um homem íntegro e religioso. Poderia até dizer que não compactuava com o mundo
atual.
De fato, o temperamento artístico, o profundo sentimento
místico que o animava, o seu amor à paz e a vontade de ajudar o próximo não se
conciliariam mesmo com os desmandos, o egoísmo e a violência que caracterizam os dias
presentes.
Pobre e honrado, legou com sua imagem um exemplo vigoroso de
homem de bem, que se impôs pela inteligência e pela dignidade.
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