Jornal DIÁRIO DO NORDESTE
Domingo - 19-10-2003
Fortaleza - Ceará - Brasil
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DESCOBERTA DA VISÃO (PARTE I)
O fascinante mundo das formas e das cores
Luciana Franco
Da Editoria de Cidade
Para quem conviveu com a escuridão boa parte da vida, abrir os olhos e enxergar o mundo colorido e nas mais diversas formas não é tarefa fácil. Uns são mais persistentes e enfrentam novos obstáculos, como aprender o nosso alfabeto e identificar as coisas através do olhar. Outros, entram em depressão e acabam virando dependentes. Nesta primeira reportagem, relatamos o caso de Felipe Lúcio, 10 anos, que, recentemente, foi apresentado ao mundo colorido. Aos pais um alerta: jamais devem superproteger seus filhos, a fim de evitar complicações motoras |
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A cor azul pode até não significar muita coisa para a maioria das pessoas. Mas, é através dela que Felipe Lúcio do Nascimento, 10 anos, conseguiu definir melhor o céu e a água do mar. Isto porque, ele nasceu com catarata congênita e passou por diversas cirurgias e estimulações visuais para, hoje, ver o mundo de uma maneira bastante especial. |
Um fato bastante interessante aconteceu quando ele via apenas vultos. As roupas estendidas no varal eram confundidas com pessoas paradas à sua frente. Ao passar da escuridão para a vida colorida, já aos 10 anos, o menino se encantou com um lustre no teto, identificado por ele como um galho de árvores repleto de folhas.
A modernização do aparelho de televisão, do botão para o controle remoto, também mexeu muito com seu imaginário. “Nunca pensei ver algo inteligente e tão esplêndido”, comenta sobre a televisão. Para Felipe, os personagens não se moviam e seus rostos eram mostrados através de uma luz, que nem a de um teatro voltada para o palco. Hoje, seu desenho preferido é do Tom & Jerry.
Outra atração para os olhos dele são os automóveis. O que mais lhe chamou atenção foi o Fusca, pelo fato de o modelo ser redondo. Fascinado por desenhos, o Fusca está sempre na ponta de suas canetinhas coloridas. Também desenha casas, homem e tudo aquilo que se apaixona. “O primeiro pingo de tinta que coloquei no papel foi azul, que lembra o céu e a água do mar”. |
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Elizabete disse que Felipe passou por uma cirurgia aos quatro meses de vida, por conta da catarata congênita. Nessa primeira tentativa, conta a mãe, ele adquiriu glaucoma e os médicos não souberam bem explicar como isso aconteceu. “Logo depois da cirurgia, o olho de Felipe começou a crescer, as lágrimas corriam pelo rosto e ele chorava muito”. Para chegar no estágio atual, ele fez outras cirurgias e passou pelo processo de estimulação visual desde bebê.
De acordo com a mãe, Felipe é muito pensativo e vive imaginando as coisas, algumas reais e outras irreais. Em casa, quando o menino passou a ser apresentado para os objetos, o que prendeu atenção foram as luzes do ventilador. “Ele passava horas olhando para as luzes acesas”. O sonho dele é ter um computador, pela necessidade de aprender mais.
Superproteção pode prejudicar o tratamento
A superproteção dos pais, quando
sabem que seu filho é portador de deficiência visual, acaba complicando a
coordenação motora dele. A melhor decisão a tomar, nesse caso, é colocar a
criança (a partir do nascimento) no setor de prevenção da Sociedade de
Assistência aos Cegos. Objetos e cores são utilizados no estímulo visual.
Segundo a assistente social e coordenadora
administrativa da SAC, Socorro Alencar, é preciso saber que nem todo problema
visual pode ser corrigido com cirurgia ou tratamento. O encaminhamento para o
setor de prevenção, explica, acontece mediante a avaliação de um oftalmologista.
Este profissional é quem determinará a necessidade e o período do tratamento.
Pessoas com glaucoma, por exemplo, não devem ter
contato com luz forte, por trazer um certo desconforto. Durante a estimulação
visual, geralmente indicada para àqueles com visão subnormal ou que usam óculos,
a criança fica olhando para um painel com luzes coloridas, num ambiente
totalmente escuro, que apagam e acedem.
Quando a deficiência visual está associada a outros
problemas, a Sociedade de Assistência aos Cegos dispõe de uma equipe
multidisciplinar. São fonoaudiólogas, terapêutas ocupacionais, psicólogos e
assistentes sociais. Nesse mesmo complexo é possível estudar do maternal até a
6ª série. A partir daí, crianças e adultos passam a freqüentar escolas normais.
A diretora do Instituto dos Cegos Hélio Góes Ferreira, Luiza Marilac de
Carvalho Almeida, contou que, neste ano, foram matriculados 220 alunos,
divididos nos turnos manhã e tarde. Ultimamente, conta, a procura têm crescido
bastante para as salas de reabilitação, cujo tempo estipulado por aluno é de
dois anos. “A reabilitação precisa ser por completo. Muitas vezes, a pessoa não
aceita ser cega e entra em depressão. Isso acontece, principalmente, na doença
adquirida.
CONSCIENTIZAÇÃO
SAC muda realidade de deficientes visuais
A excelência do atendimento na Sociedade de Assistência aos Cegos (SAC) mudou, de maneira positiva, a realidade no Ceará. Há 40 anos, 100% das pessoas que freqüentavam a escola especial eram cegas e, hoje, são apenas 30%. Porém, como a demanda pelo atendimento personalizado é maior que a oferta, só será possível abrir novas vagas se aumentar as consultas particulares e conveniadas na clínica e no hospital pertencentes ao complexo SAC.
De acordo com o atual presidente da SAC, médico oftalmologista Francisco Waldo Pessoa de Almeida, o fato de diminuir o número de pessoas totalmente cegas reflete o trabalho sério desenvolvido ao longo dos anos e da conscientização das famílias sobre os recursos disponíveis para aqueles que nascem com algum problema de visão. “A falta de óculos é um dos fatores que cega muita criança”, alerta.
Hoje em dia, na escola especial, grande parte das crianças usa óculos.
Setores de sustentação dos programas da Sociedade de Assistência aos Cegos, a Unidade Oftalmológica Iêda Otoch Baquit e o Hospital Alberto Baquit Júnior contam com equipamentos de última geração e estão abertos ao público em geral.
Na clínica é possível fazer desde uma simples prescrição de óculos até sofisticados exames especiais, como o tratamento de retinopatia a laser. Já no hospital, o centro cirúrgico está preparado para realizar procedimentos de pequena, média e alta complexidade.
Acostumado a lidar com os mais diversos tipos de cegueira, da congênita à adquirida, o médico Waldo Pessoa conta que já foi pego em situações delicadas. No início de sua carreira foi fazer um transplante num sanfoneiro de aproximadamente 30 anos, que conheceu na praia. A cirurgia aconteceu por sugestão dele, acreditando que seria melhor para o sanfoneiro. Só que para sua surpresa, veio saber depois que o homem tinha deixado de tocar e continuava se comportando como cego.
Nessa ocasião, Waldo Pessoa foi para São Paulo e procurou os melhores especialistas na área para saber o porquê da rejeição em enxergar.
De volta a Fortaleza, começou a estimular visualmente o paciente. Foram seis meses trabalhando para que ele colocasse a sanfona para tocar e, ao final, acabou dando certo. Outra experiência traumática envolveu um homem também cego, que passou por um transplante, e depois teve o olho perfurado pelo seu guia, que não o admitia enxergar e perder seu emprego. “Esses fatos me fizeram entender melhor a humanidade”, finaliza.
ALERTA - A Sociedade de Assistência aos Cegos não autoriza nenhuma pessoa a arrecadar doações em nome dela. Qualquer tipo de doação deve ser encaminhada diretamente à sede, na Rua Padre Anchieta, 1400, São Gerardo. Para mais informações, contactar diretamente a secretaria pelo telefone (85) 281.6111.
Problemas oculares em crianças ESTRABISMOS - mais comumente conhecido como "desvio" nos
olhos. Podem ser congênitos ou serem sinais de problemas mais sérios, como por
exemplo problemas neurológicos. Também podem ser conseqüência de falta de
óculos. |
Na ponta dos dedos
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