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Jornal DIÁRIO DO NORDESTE
Quarta-feira - 08-04-2015
Fortaleza - Ceará - Brasil
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ARTES CÊNICAS
A peleja de Raimundo Jacó no Nordeste fantástico


      Em civilizações antigas, a mandala assume funções místicas, ligadas à meditação e às buscas interiores. Uma das representações mais conhecidas deste símbolo, presente na literatura, é a do Rei Arthur e de seus 12 cavaleiros, que se reuniam em torno de uma mesa redonda cujo centro era marcado uma rosa. Assim como na lenda do rei bretão, o grupo cearense Alumiar - Cenas e Cirandas estreia peça também empreende uma busca épica em seu novo espetáculo. Uma viagem do exterior para o interior, a procura de iluminação e redenção de um vaqueiro nordestino contra os sete pecados capitais.

      Com enredo digno de um cordel de capa e espada, o espetáculo "Os Cavaleiros" estreia no próximo sábado, no teatro do Centro Dragão do Mar de Arte e Cultura (CDMAC). Após as apresentações do fim de semana, a peça volta para temporada no palco do centro cultural a partir de 23 de maio, permanecendo em cartaz todos os sábados e domingos até 21 de junho.

Foto do Jornal Diário do Nordeste
No espetáculo "Os Cavaleiros", o Grupo Alumiar transforma
 em épico místico a canção "A morte do vaqueiro", de
Luiz Gonzaga. A história de Raimundo Jacó flerta
com simbolismos do tarô e do misticismo cristão

      Na montagem, os elementos que fazem parte do imaginário nordestino passam a largo de uma interpretação folclórica; ganhando ares místicos e um tanto quixotescos. A tenacidade poética do vaqueiro é comparada à nobreza dos cavaleiros medievais. Arquétipos distantes no tempo e no espaço, que convergem na figura de Raimundo Jacó, personagem principal da trama do Grupo Alumiar. O personagem foi inspirado em um primo do sanfoneiro Luiz Gonzaga. Assassinado no sertão de Pernambuco, ele foi eternizado na toada "A morte do vaqueiro", uma denúncia do grande Lua ao que definia como a "covardia dos homens".

      Já o Raimundo Jacó da ficção reside em uma comunidade fictícia e mística chamada Ciranda, uma das muitas referências circulares da peça. Após um sonho profético, em que é laçado e marcado como um boi por sete cavaleiros, ele procura compreender o significado da visão onírica. O vaqueiro Parte em busca de uma cigana e inicia sua jornada contra os sete pecados capitais.

      "São pequenas histórias entrelaçadas que contam a bravura de Raimundo, em sua luta pela sobrevivência", ressalta a diretora Socorro Machado, veterana dos palcos cearenses. Ainda que lá estejam as paisagens típicas da caatinga, como o clima árido e hostil, temáticas como a pobreza e miséria não permeiam a trama da peça. "Colocamos o vaqueiro, antes de tudo, como um forte", diz Socorro, parafraseando o escritor Euclides da Cunha.

      Figura que funciona como uma espécie de guia para Raimundo Jacó, a Cigana também serve de inspiração para alguns personagens da trama. Representados tradicionalmente por mandalas, os arquétipos presentes nas cartas de tarô encontram eco em "Os cavaleiros". Assim, estão lá personagens como o eremita, o enforcado e o louco.

Sotaque

      Para os diálogos, a companhia fez uma pesquisa sobre a língua que se fala por aqui. "O modo de falar do sertanejo, muitas vezes considerado como uma transgressão à gramática, é, na verdade, resquício do português arcaico, que ainda sobrevive na nossa forma de falar", diz Socorro.

      O texto da peça foi produzido há 15 anos, durante as primeiras atividades do grupo. Escrito de forma coletiva, o roteiro não pôde ser concluído com o elenco original. Em 2012, surgiu a vontade de retomar a história, que assim como o grupo iria debutar alguns anos depois. "Os primeiros escritos foram a espinha dorsal do espetáculo. Nesse segundo momento, os novos integrantes deram suas ideias e preenchemos o que faltava para tudo acontecer", diz a diretora Socorro Machado.

      Para o espetáculo, parte do elenco da companhia foi preparado pelo músico Rodrigo BZ para atuar como um grupo de percussão, dando o tom nas cenas com ritmos regionais, como o coco e o maracatu. Os atores ainda contaram com aulas de preparação de voz, com Valéria dos Anjos, e de dança, com Fabíola Machado e Heber Sales. "É um espetáculo vivo, em que o elenco canta, dança e representa", fala a diretora.

Acessibilidade

      Levantando a bandeira da acessibilidade, o espetáculo contará em todas as suas 12 sessões com profissionais para a recepção de pessoa com deficiências auditivas e visuais. Para a ocasião, foram alugados 50 fones que serão usadas para atender cegos e pessoas com baixa visão.

      Para que todo o processo aconteça de forma harmônica para o público presente, Cístenes Braga, profissional que fará a audiodescrição nas sessões, acompanhou o grupo durante o processo de montagem e em alguns ensaios. Dois tradutores em Libras do Centro de Referência em Educação e Atendimento Especializado do Ceará (Creaece) também estarão presentes em todas as apresentações. "As pessoas que forem ao teatro serão muito bem recebidas", garante a diretora Socorro Machado.

      Mesmo com o aparato disponível para receber todos os públicos, a diretora reconhece as dificuldades para garantir o acesso à arte para pessoas com deficiências auditivos e visuais. "O custo é muito alto. É preciso ter muita coragem e olhar para a arte como forma de educação", diz. "O Alumiar sempre desenvolveu um teatro pedagógico, acreditamos na transformação do indivíduo que se deixa se sensibiliza pela arte".

      Atuando como facilitadora durante um ano e meio na Sociedade de Assistência aos Cegos, Socorro Machado recrutou dois deficientes visuais para fazerem parte do elenco da peça. Carlos Ranielli (com perda total da visão) e Paulo Roberto (com baixa visão) ao lado de Diego Goulart (membro do Alumiar que se faz de cego) interpretarão o personagem Assum Preto, um pregador da palavra de Deus. "Na cultura nordestina, há uma prática brutal que é a de vazar os olhos do pássaro que inspirou o personagem da peça. A crença é de que, assim, o animal canta melhor", explica a diretora.

Mais informações:

      Os Cavaleiros, com o Grupo Alumiar. Dias 11 e 12, às 19h, no Teatro Dragão do Mar (R. Dragão do Mar, 81, Praia de Iracema. Ingressos: R$ 20 (inteira). Contato: (85) 3488.8600

Leonardo Bezerra
Repórter


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