Jornal DIÁRIO DO NORDESTE
Sexta-feira - 22-05-2015
Fortaleza - Ceará - Brasil
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Teatro sem limitações
Com recursos para pessoas portadoras de deficiência, a peça "Os Cavaleiros" retoma temporada amanhã
O espetáculo nasce de uma profecia misteriosa: "sete dias, sete portas atravessadas, sete clarins ouvirás". Na peça "Os Cavaleiros", do grupo cearense Alumiar Cenas e Cirandas, o público é convidado a penetrar no universo cultural e simbólico do vaqueiro. Por meio de histórias que se entrelaçam, o espectador passeia por aboios, danças, emboladas e um amplo leque de arquétipos e lendas fantásticas da cultura nordestina. A produção para levar ao público a riqueza desse universo, porém, tem um feito ainda maior: o de levar ao teatro um espetáculo acessível a todos, com recursos capazes de proporcionar a experiência cênica até mesmo para quem não pode enxergar ou ouvir. |
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"Este é o primeiro espetáculo inclusivo de teatro em Fortaleza. Algumas peças já ofereceram antes uma ou outra linguagem, mas nossa proposta foi incluir a tradução em libras e a áudio-descrição. Queremos receber essas pessoas (com deficiência) e estamos preparados para isso", afirma a diretora Socorro Machado. O espetáculo, já apresentado em abril na Capital, retorna neste sábado ao Teatro Dragão do Mar para uma temporada que se estende nos sábados e domingos seguintes, até o dia 21 de junho.
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O grupo Alumiar Cenas e Cirandas foi fundado há 15 anos com a filosofia da promoção da educação cidadã a partir da linguagem teatral. Espetáculos como "O Pequeno Príncipe" e "O Mágico de Oz" foram montados sob essa perspectiva. O grupo procura estar sempre em consonância com as pautas da sociedade para provocar reflexões no público. "Uma das coisas que mais chama atenção agora é a inclusão. Esse mundo que está paralelo ao nosso caminhar e é algo que pode acontecer em qualquer família", justifica Socorro. |
Inclusão
O espetáculo não fala diretamente sobre o universo de pessoas com deficiência, mas provoca reflexões nesse sentido por dois viés: o da acessibilidade como público e como produtor. Se por um lado há uma preocupação com os recursos que garantam acessibilidade ao espectador, por outro, o elenco conta com duas pessoas com deficiência visual, selecionados na Sociedade dos Cegos. Foram vários os desafios enfrentados para integrá-los ao elenco, principalmente para a cena na qual todos os atores se comunicam com o público por meio da linguagem em libras.
"Os atores Ranielle e Paulo Roberto foram escolhidos e preparados durante um ano. O desafio maior era passar pra eles a linguagem em libras para essa cena. Todas as segundas-feiras, eu ia até lá e repassava o texto para que eles decorassem as falas. Depois de oito meses é que começaram os encontros com o grupo", conta Socorro Machado. "A verdadeira acessibilidade é essa. Nós queremos continuar propondo isso. Queremos que eles saiam de casa sabendo que lá (no teatro) terão aparato suficiente pra vivenciar a peça", emenda a diretora.
Mas são poucos os teatros acessíveis no Brasil. Conforme admite Socorro, as produções para garantir a tradução em libras e a áudio-descrição são extremamente caras. "Eu acho que alguém tem que começar. Foi o que nós fizemos. Mas custa caro, então é preciso que as gestões públicas invistam. Pra gente conseguir esse espetáculo, tivemos patrocínio 50% da empresa, e os intérpretes serão pagos coma bilheteria", diz.
Para chamar atenção para essa questão, durante as apresentações, mesmo as pessoas que não têm deficiência são convidadas para a experiência de ver o espetáculo vendadas, utilizando os recursos de acessibilidade disponíveis.
"O nosso maior propósito é que encontremos deficientes durante os espetáculos. Quando não temos, propomos uma experiência colocando uma venda para que o público em geral perceba como é feita a áudio-descrição para quem não enxerga", explica.
Produção
Ao todo, foram cerca de dois anos e dez meses para a concepção de "Os Cavaleiros". O espetáculo é fruto de uma pesquisa intensa realizada por pessoas das mais diversas áreas que integram o grupo "Alumiar Cenas e Cirandas" - pesquisadores, psicólogos, publicitários, comunicadores e outros profissionais.
Durante a preparação para a peça, os atores participaram de uma espécie de imersão para se conectar ao rico e lúdico universo da cultura popular nordestina, em especial dos vaqueiros. "Fomos a Morada Nova e a Canindé, que são os principais locais dessa cultura", conta Socorro.
O enredo da peça se desenrola em uma comunidade fictícia chamada Ciranda. Lá, histórias de importantes figuras nordestinas se formam como uma teia de bordados, reunindo danças, canções, costumes e lendas do mundo fantástico que povoa a cultura popular nordestina. O texto, escrito coletivamente, faz uma alusão ao vaqueiro Raimundo Jacó, que na peça é personagem central, mas vê sua história ser compartilhada com várias outras - de parteiras, ciganas, emboladores, cantadores.
O espetáculo coloca em evidência diferentes arquétipos da cultura popular do Nordeste, com um mergulho no bumba meu boi e na tradição dos caretas, por exemplo. Há também alusões à religiosidade, aos costumes de pega do boi, ao coco, ao maracatu. "Paralelamente, o espetáculo passa pelos sete pecados capitais, nesse mundo imaginário e, acima de tudo, humano da cultura popular", afirma Socorro. O elenco teve preparação de dança com Fabíola Machado, sapateado com Éber Sales, preparação de voz com Valéria dos Anjos e noções de música com Rodrigo BZ.
Mais informações:
"Os Cavaleiros", em cartaz dias 23, 24, 30, e 31 de maio e 6, 7, 13, 14, 20 e 21 de junho, às 19h, no Teatro Dragão do Mar (Rua Dragão do Mar, 81 - Praia de Iracema). Ingressos: R$ 10 / R$ 20 (inteira). Contato: (85)3488.8604
Beatriz Jucá
Repórter
Nota de esclarecimento:
Sociedade dos Cegos é na verdade Sociedade de Assistência aos Cegos.
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