Jornal DIÁRIO DO NORDESTE
Terça-feira - 25-09-1990
Fortaleza - Ceará - Brasil
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SEREIA DE OURO
FRANCISCO WALDO PESSOA DE ALMEIDA
A luta pela integração do cego à sociedade
O oftalmologista Francisco Waldo Pessoa de Almeida está à frente do Instituto dos Cegos há 20 anos, uma entidade que integra o deficiente visual à sociedade. Ele receberá, na próxima sexta-feira, em solenidade realizada no Ideal Clube, o troféu Sereia de Ouro, outorgado pela TV Verdes Mares, Canal 10, a personalidade que se destacam em suas áreas de atividades
Para um mero observador, as cena
de proximidade entre as pessoas sentadas nos bancos ou que passeiam ao largo do
pátio do Instituto dos Cegos é um
tanto incomum. Os internos que transitam com rapidez também causam estranheza, e
são surpreendentes as manifestações de agilidade e destreza nas atividades dos
que integram os grupos produtivos. Em se tratando de uma instituição para cegos,
a ,interrogação de quem acompanha essa cena é se esses indivíduos são realmente
deficientes ou se são os chamados "normais", desabituados a perceber os detalhes
dos gestos humanos mais corriqueiros, que necessitam suplantar suas próprias
insuficiências. |
Waldo de Almeida: "Vários casais de cegos, daqui do Instituto, acabaram se casando |
O oftalmologista Francisco Waldo Pessoa de
Almeida é uma das quatro personalidades agraciadas este ano com o troféu Sereia
de Ouro, concessão da TV Verdes Mares às personalidades que mais se destacaram e
se empenharam para a promoção do bem-estar e desenvolvimento da comunidade, como
um todo. Sobre o prêmio, ele se diz ao mesmo surpreso e orgulhoso: “O troféu é
reconhecido por nossa sociedade e não esperava recebê-lo. Mas recebi
humildemente. O orgulho é porque a Sereia de Ouro me dará muito mais força para
continuar nesse trabalho”.
Nascido em Quixadá, em 1937, Francisco Waldo
Pessoa de Almeida é transferiu com a família para Fortaleza ainda no fim da
guerra, em 1944. O pai, na época, montou uma oficina de niquelagem na Rua
Guilherme Rocha (a oficina “Almeida”), e logo cedo, ele e seu irmão mais velho
começaram a ajudar o pai, aprendendo a fazer niquelagem, cromagem e oxidação em
objetos. A família residia na Av. do Imperador, mas logo mudou para a Rua
Tristão Gonçalves, em sua lembrança, o inicio de sua ligação com a problemática
da cegueira.
- Morávamos no mesmo quarteirão em que residia o Dr. Hélio Góes Ferreira -
relata. Ele foi o fundador do Instituto dos Cegos e eu, ainda menino,
freqüentava muito sua casa por ser amigo de seu filho, o Helinho, já falecido.
Depois, quando eu tinha 13 anos de idade, aconteceu um episódio que me marcou
muito com relação à cegueira. Havia um rapaz, cego, que ficava sentado na
esquina da Serraria Viana, perto de minha casa, pedindo esmolas. Quando eu
passava de volta do colégio, sempre o via e não entendia como uma pessoa podia
ficar sentada à espera unicamente da caridade pública. Foi minha primeira
reflexão e inquietação sobre os cegos.
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Estudos |
Integração Social
Para o Dr. Waldo, o que mudou foi a maneira
de encarar o cego, respeitando sua condição, deixando de vê-lo como um pedinte e
aceitando-o como uma pessoa útil à sociedade. A profissionalização prepara os
deficientes para a fabricação de vassouras, envelopes, prestação de serviços, e
em multas outras áreas que podem prescindir da visão (informática, telefonia,
etc). Os cegos surpreendidos nas ruas da cidade são esclarecidos por outros que
fazem parte do Conselho para o Bem-estar do Cego, entidade formada pelos
próprios deficientes. Posteriormente, eles são encaminhados para o Instituto,
que exerce Influência direta e estimula seu aprendizado profissional e conquista
de maior autonomia e Integração social.
Os chamados cegos "desarrumados" são, na
verdade, os mais problemáticos, pois têm que partir deles a motivação e a
vontade para o aprendizado e mudança de vida. E, de uma certa forma, o grupo que
integra o Conselho para o Bem-estar do Cego tem colaborado neste Trabalho de
convencimento aos que ainda se mantêm à margem do processo de recuperação de sua
Integridade pessoal. Dado o primeiro passo, os deficientes visuais passam a
receber estímulos constantes para seu crescimento e aprimoramento profissional.
Hoje, grande parte dos cegos que passaram pelo
Instituto ainda continuam mantendo vínculos de amizade e atividades associadas à
entidade. Muitos chegam a constituir família, como conta Dr. Waldo: "Vários
casais de cegos daqui do Instituto acabaram casando e hoje vivem normalmente. Eu
costumo dizer que os casados não dão problema, os problemas ficam com os
solteiros, porque depois que se casam conseguem arrumar-se na vida. Eles, em
geral, têm filhos normais e levam a vida normalmente, cuidam tão bem das
crianças quanto qualquer pessoa normal. A Ivanice e o Ferreira, um casal aqui do
Instituto, por exemplo, foi aconselhado a não ter filhos e acabou adotando uma
criança normal".
Crescimento
O Instituto possui uma escola de primeiro grau,
cujas professoras pertencem à Secretaria de Educação. Os cegos que chegam ao
Instituto passam a freqüentar a escola num expediente, no outro, estão
disponíveis para a sociedade, quando são instruídos quanto à profissionalização
e aprimoramento. O Instituto nos últimos anos tem se envolvido com a formação de
grupos de atividades produtivas, que objetivam formar o cego adulto para
adquirir lá fora urna atividade independente. A mudança de orientação, para que
os cegos deixassem de ser depositados no Instituto como elementos inúteis,
acabou promovendo o próprio crescimento e autonomia dos deficientes, que hoje
cooperam com os demais, ainda desajustados. Isso colabora com a rotatividade de
treinamento de um grande numero de pessoas com problemas, promovendo uma difusão
da assistência a todos.
Dr. Waldo entregou a visão a mais de mil
pacientes. Experiente no campo cirúrgico, sua especialidade é o transplante de
córneas, que muitas vezes devolve a visão a uma pessoa que nunca enxergou. Ele
lembra sobre a emoção do seu primeiro transplante, ao mesmo tempo em que se
sentiu numa situação difícil: "Em 72 fiz minha primeira cirurgia em uma pessoa
que nunca havia enxergado. Era um tocador de sanfona, que sustentava a família
dessa forma. Na época, não avaliei as conseqüências. Dr. Hélio Góes ainda me
alertou para não operar aquele homem. Quando vi que aquele paciente poderia
enxergar, não me contive. Depois do transplante, ele passou a enxergar
normalmente, só que passada uma semana a família me procurou com um problema
grave: ele não tocava mais sua sanfona. Para alguém habituado a viver como cego
é um choque muito grande passar a enxergar. Foi então que percebemos nossa
deficiência, faltava um serviço de visão subnormal, que ensina o indivíduo a
enxergar e perceber o mundo com os olhos".
Casado desde 1960 com dona Josélia, que também
trabalha no Instituto, e com quatro filhos, Waldo de Almeida diz que de todas
suas experiências com os cegos sempre foi tirando suas lições para a vida e a
profissão. Ele se mostra satisfeito com a credibilidade que a entidade tem hoje
junto à sociedade, conseguindo ajudar um número maior de deficientes a se
integrarem à comunidade. Para ele, existe muito mais cegos do que se imagina,
pois as famílias - em geral, pobres - acabam retendo a criança até a
adolescência, quando passam a colaborar como pedintes para aumentar a renda
familiar. "Hoje as crianças já são encaminhadas entre 3 e 4 anos ao Instituto
para fazer o pré-escolar e a estimulação precoce e, certamente, alterará o
quadro que ainda encontramos".
Perfil
Nascido em Quixadá, em 10 de agosto de 1937, o
médico oftalmologista Francisco Waldo Pessoa de Almeida é também industrial,
hoje, diretor presidente da Ebel - Empresa Beneficiadora de Estopa Ltda. Sua
presença significativa está registrada no Instituto dos Cegos do Ceará, onde
atende desde 67 os deficientes visuais e exerce sua prática médico-cirúrgica no
Hospital Alberto Baquit Júnior e Clínica Otoch Baquit.
Concluiu a Faculdade de Medicina em 64, e mesmo
nessa época já estagiava na Santa Casa de Misericórdia. Cedo optou para o
atendimento dos visuais, sendo há dez anos presidente da Sociedade de
Assistência aos Cegos. Além disso, é membro da Association Pan-Americana de
Oftalmologia, Sociedade Brasileira de Educadores de Deficientes Visuais, Colégio
Brasileiro de Medicina de Transito, Sociedade Brasileira de Oftalmologia e
diretor do Banco de Olhos do Ceará.
Seu campo de especialização na área,
cirúrgico-oftalmológica é vasto; chegou a realizar cursos em hepatopatisa,
glaucoma, próteses, blomicroscopia, catarata, traumatologia ocular, plástica
oftalmológica, e no plano cirúrgico, para o descolamento de retina, transplante
de córnea, catarata etc. Chegou também a ministrar diversos cursos na Faculdade
de Medicina. Prestou serviços médicos no setor de pediatria do Sesi, Detran,
Assistência Municipal, Escolas Aprendizes Marinheiros. Foi presidente da
Sociedade de Oftalmologia do Ceará. Sua atividade profissional centraliza-se
mais diretamente ao Instituto dos Cegos, entidade que impulsionou decisivamente
sua carreira.
Frases
- "É preciso deixar de ver o ce!;J° como pedinte,
como alguém dependente da caridade pública e passar a encará-lo como uma
criatura útil à sociedade". |
SEREIA DE OURO
Amor aos cegos
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O
oftalmologista Francisco Waldo Pessoa de Almeida está à frente do Instituto
dos Cegos há 20 anos, uma entidade que integra o deficiente visual à
sociedade. Além da cura de mais de mil pacientes, seu trabalho consiste na
profissionalização do deficiente visual. Por seu trabalho em prol dos cegos,
receberá o Troféu Sereia de Ouro, outorgado pela TV Verdes Mares, em
solenidade na próxima sexta-feira, no Ideal Clube. |
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