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Jornal O ESTADO
Domingo - 11-04-2010
Fortaleza - Ceará - Brasil
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Diversidade de olhares


A rotina de crianças e adolescentes alunos de uma escola especial para deficientes visuais

      Ítalo tem 16 anos, e assim como a maioria dos jovens de sua faixa etária, enfrenta dúvidas quanto ao seu futuro profissional. Ainda não decidiu se quer cursar Direito, Música ou Letras, e divide seu tempo escolar entre as disciplinas obrigatórias e as atividades extracurriculares que podem ajudar em sua decisão.

      Lucas tem a mesma idade do colega, mas é firme ao anunciar seu sonho de tornar-se um radialista famoso e respeitado. Tomou tal decisão após visitar a emissora de rádio Costa do Sol FM e se encantar pela rotina dos profissionais. Desde então, comanda um programa de músicas e debates na rádio interna da escola, e se orgulha por ser reconhecido e apontado pelos colegas e funcionários nos corredores da Instituição.

      Mayara, 15 anos, já foi concorrente de Lucas, e também produziu um programa na rádio da escola. Há algum tempo, porém, abandonou os microfones e saiu dos limites do estúdio para seguir seu sonho de tornar-se professora de Educação Física. Hoje, frequenta assiduamente as aulas práticas oferecidas pela Instituição, e participa de todas as atividades extracurriculares que envolvem o mundo desportivo.

      Suziane quer ser atriz, Gleiciane sonha em ser nutricionista, e Nayara não vai ficar satisfeita até tornar-se uma advogada conhecida.

      Ítalo, Lucas, Mayara, Suziane, Gleiciane e Nayara são alunos matriculados regularmente no Instituto Hélio Góes e cumprem, além do currículo estabelecido pelo Ministério da Educação (MEC), uma série de atividades artísticas e culturais oferecidas pela escola para complementar a formação do seu corpo discente, que incluem teatro, artes plásticas, dança, canto, informática e artes manuais. Assim como milhões de adolescentes brasileiros, também aproveitam o intervalo entre as aulas para namorar, fofocar, acessar a Internet e compartilhar sonhos e aspirações. A escola que frequentam, embora ofereça uma infinidade de oportunidades, não faz parte de uma grande rede de educação privada. O Instituto integra uma organização filantrópica pública que atende pessoas com necessidades especiais evidentes. Os futuros radialistas, advogados e nutricionistas são deficientes visuais e alunos da escola que faz parte da Sociedade de Assistência aos Cegos (SAC) de Fortaleza.

      A SAC foi fundada em 1942 com o objetivo de facilitar a inserção social do deficiente visual na sociedade. Desde então, desenvolve uma série de atividades que atingem todas as faixas etárias da população deficiente e procura sanar as necessidades fundamentais daqueles que buscam ajuda.

      Os seis estudantes que sonham com um futuro profissional brilhante são alunos do Instituto Hélio Góes, uma escola inclusiva que opera dentro da sede da Sociedade e oferece aos deficientes visuais a Educação Infantil e o Ensino Fundamental, para alunos que possuem pouca ou nenhuma visão, e o projeto de Educação Especial, que atende os alunos mais debilitados e que apresentam quadros de múltiplas deficiências.

      Antes de ser inserido nas classes convencionais de ensino, o aluno é apresentado à assistência social, que analisa as condições de vida do deficiente e da própria família e, posteriormente, é encaminhado para uma avaliação psicológica, que vai indicar a série adequada que ele pode ingressar.

      O processo de Orientação e Mobilidade é o primeiro passo na inserção social do aluno e no desenvolvimento de autonomia. Primeiro os estudantes aprendem como se locomover dentro dos limites da escola, e são apresentados aos percursos que os conduzem até os banheiros, salas de aula, coordenações e refeitórios. Na segunda etapa, os alunos enfrentam os espaços públicos comuns às suas rotinas, e são levados aos bairros onde residem, aos terminais de ônibus, locais de lazer e centros culturais. Em 2009, a Instituição realizou mais de 600 atendimentos no projeto de Orientação e Mobilidade.

      É o caso de Ítalo, que começou a frequentar a Sociedade quando ainda tinha 5 anos. “Minha família estava procurando uma escola especializada em pessoas com deficiência visual, e encontramos a Instituição. Primeiro, eu passei pelo processo de estimulação precoce, onde aprendi a andar sozinho e a locomover-me com mais facilidade”, explica o estudante. Hoje, onze anos depois, Ítalo é aluno regularmente matriculado na escola e, além de cumprir o currículo básico, participa das aulas de dança, canto e educação física. Apesar de não possuir nenhum grau de visão, considera-se uma pessoa plenamente independente. “Eu gosto de sentir a minha independência no modo como eu falo, no modo como eu ando, como eu me expresso, com as minhas atitudes”, destacou, “procuro mostrar para as pessoas que estão ao meu redor que eu sou dono da minha vida, e que elas não precisam sentir pena de mim”.

      Apesar da pouca idade, Ítalo demonstra uma madura opinião sobre sua situação, “não penso em como minha vida poderia ser. Eu gosto de viver como estou hoje. Às vezes quero reclamar da vida, mas lembro que existem pessoas em situação pior que a minha. Então, procuro sempre lembrar aquilo que fiz de bom. Nunca penso no que poderia ter feito, o que poderia ter sido diferente se eu enxergasse. Mas se eu queria fazer algo, e não fiz por medo, ou por falta de ousadia, aí sim eu me arrependo”.

      Quando possuem noções básicas de orientação espacial e dominam a leitura em braille, os alunos são diretamente inseridos em uma das classes disponíveis, que comportam no máximo 10 estudantes, e passam por todos os processos educacionais existentes em uma escola convencional.

      “Nossa escola segue todo o calendário de uma escola particular. Seguimos todas as datas, o sistema de organização das provas e a cobrança em forma de avaliações parciais e globais”, explicou Andréia Barros, professora do local. “Temos todas as disciplinas obrigatórias, com cargas horárias corretas, de acordo com a regulamentação do MEC, além de professores com formação acadêmica exigida nas áreas em que ministram suas aulas”.
Além da formação acadêmica adequada, quem deseja ser professor da Instituição deve passar por um curso de Capacitação e Formação de Professores de Educação Especial na Área de Deficiência Visual, com duração de um ano e carga horária de 472 horas.

      Para garantir completa integração entre os alunos, a escola não separa em classes diferentes os deficientes parciais e os totais. Segundo a professora Andréia, a opção de unir todos os alunos, independente do grau da deficiência, contribui para facilitar a vida da pessoa que apresenta perda total da visão, “embora muitas vezes aqueles que não enxergam nada sejam mais desenvoltos do que os que possuem visão parcial”. Graças a essa opção, o indeciso Ítalo, que apresenta quadros de perda total da visão, e o radialista Lucas, parcialmente atingido, podem frequentar a mesma sala e dividir experiências úteis para os dois.

      O Instituto possui uma biblioteca que atende pessoas com cegueira total e visão subnormal, por meio de livros em braille ou tinta (aqueles impressos de forma convencional). Também oferece aos jovens leitores uma seção de livros falados, por meio de CDs gravados no estúdio da própria escola por dezenas de voluntários que se revezam emprestando suas vozes aos personagens dos clássicos da literatura. Só em 2009 foram gravados 93 títulos, contabilizando o total de 393 volumes em CDs. Os livros em braille são impressos pela Imprensa Braille Rosa Baquit, que também faz parte da Sociedade.

      Também faz parte da lista de atividades extras oferecidas aos alunos a Rádio Voz da Amizade, que vai ao ar todos os dias, no horário compreendido entre meio-dia e 13h. Lucas é apresentador e produtor do programa A Tarde é Nossa, que anima as tardes da quarta-feira, e apresenta ao público da Sociedade uma variedade de músicas atuais, além de abrir espaço para debates e palpites dos ouvintes. O próximo projeto de Lucas é criar um quadro romântico para seu programa, no qual os alunos e funcionários poderão enviar mensagens de amor para seus pretendentes.

      Toda a completude e dinamismo da infraestrutura oferecida aos alunos têm um motivo. “A Instituição possui uma visão sócio-histórico-cultural, que busca a inserção adequada do aluno no meio social, no mercado de trabalho, na cultura, no lazer, em tudo. Queremos garantir uma vida profissional digna para o deficiente visual após a saída da escola. Queremos ver o aluno participando de atividades de lazer, podendo se divertir, casar, construir uma família, esse é o nosso objetivo”, destaca a professora.Para aqueles que tiveram a oportunidade de conhecer e conversar com o Ítalo, Lucas, Mayara, Suziane, Gleiciane e Nayara, as palavras da professora parecem tão certas e garantidas como a mais indiscutível das previsões.

Nota de esclarecimento:
A Sociedade de Assistência aos Cegos é uma instituição não governamental declarada de utilidade pública federal pelo Ministério da Justiça.


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