Símbolo do Jornal O POVO
Jornal O POVO
Segunda-feira - 11-12-2000

Fortaleza - Ceará - Brasil
http://www.opovo.com.br
Filantrópicas buscam projetos permanentes para sair da crise


Fátima Guimarães
Da Editoria de Fortaleza

Demanda elevada de pacientes agrava crise financeira das instituições filantrópicas de Fortaleza que dão suporte à saúde pública. Para escapar da falência, unidades estão buscando alternativas que diminuam a dependência do Sistema Único de Saúde (SUS)

A Santa Casa de Misericórdia de Fortaleza atende diariamente uma média de 900 pessoas, tem uma dívida de R$ 4,5 milhões e um déficit mensal em torno de R$ 100 mil. Lá, 90% dos recursos são oriundos do Sistema Único de Saúde (SUS) e se referem ao pagamento dos procedimentos médicos. A situação da unidade é apenas um exemplo. Dos cerca de 10 hospitais filantrópicos de Fortaleza que recebem pelo atendimento prestado aos usuários do SUS, a maioria enfrenta problemas financeiros. Mesmo aqueles sem déficit mensal, têm encontrado dificuldade para cobrir este mês a folha de pagamento.

Sem recursos para investir na ampliação de serviços que possam contribuir para aumentar a arrecadação, as instituições procuraram durante muito tempo suprir as necessidades mais urgentes com campanhas. Como não conseguiram resolver os problemas, a busca de soluções permanentes que garantam uma renda fixa já faz parte da realidade de algumas unidades.

A Irmandade Beneficente da Santa Casa de Misericórdia dispõe do Hospital Psiquiátrico São Vicente de Paula, alguns imóveis no centro e o Cemitério São João Batista. A Provedoria do hospital está tentando otimizar o atendimento da ala particular que tem 19 leitos para aumentar a receita, mas o maior obstáculo é a falta de dinheiro para proceder as melhorias. Também está sendo estudada a possibilidade de tornar permanente a campanha realizada em parceira com a Coelce, onde o usuário da companhia tem o valor doado descontado na conta mensal de energia.

O provedor da Santa Casa, general Torres de Melo, diz que é preciso encontrar soluções permanentes, pois as doações estão cada vez mais difíceis. Se diminuir o índice de inadimplência do Cemitério São João Batista, estimada hoje em 30%, também é sinal de dinheiro para o hospital. Ao todo são 12 mil jazigos. Quanto aos imóveis alugados, ele ressalta que a receita é pequena, em torno de R$ 10 mil.

Outra alternativa seria firmar convênios com as prefeituras. Torres de Melo afirma que apenas o município de Saboeiro atendeu ao apelo. "Os outros prefeitos acham que só têm obrigação de pagar pelos procedimentos realizados nos pacientes transferidos".

Também não tem sido fácil para o Instituto de Prevenção à Desnutrição e à Excepcionalidade (Iprede) manter o tratamento de crianças desnutridas da Capital e do Interior do Estado. O SUS paga por 14 dias de internações dos desnutridos graves. Como geralmente o paciente supera esse período, o restante das despesas fica por conta da instituição, que dispõe de um enfermaria com 50 leitos e atende em média 1,2 mil crianças por mês no ambulatório.

A gerente técnica do Iprede, Márcia Estela Santos, observa que é necessário dispor de verba fixa para trabalhar com tranqüilidade, pois não dá para depender de campanha. Uma das medidas foi enviar o Projeto Iprede para financiadores internacionais. Enquanto a resposta não chega, os gastos são cobertos com a ajuda da panificadora, que garante uma renda mensal em torno de R$ 4,5 mil. Além dos repasses do SUS (12% e Secretaria da Saúde do Estado, 40%), doações, parcerias com institutos e fundações, campanha 1 milhão de Amigos e serviço de telemarketing. As doações de medicamentos contribuem para manter o estoque da farmácia.

Foto do Jornal O POVO
Venda de pães ajuda nas despesas do
Iprede e no combate a desnutrição de
crianças carentes

Instituto do Câncer depende de campanhas

Fundada em 1954 pela artista plástica Heloisa Juaçaba, a Rede Feminina do Instituto do Câncer do Ceará (ICC), é responsável pela Casa de Apoio que abriga pacientes carentes do Interior do Estado, enquanto fazem tratamento no hospital do ICC, em Fortaleza. Para cobrir os gastos mensais que ficam em torno de R$ 7 mil, a instituição arrecada uma média de R$ 5 mil, dos quais R$ 2 mil da coleta de vidros e o restante, R$ 3 mil, repassados por um projeto da Secretaria do Trabalho e da Ação Social.

A capacidade é para 80 pessoas (20 para homens e 60 mulheres), mas a procura é muito maior. Além de oferecer a alimentação, a Liga ajuda os pacientes na compra de medicamentos, com dinheiro para passagem. Lúcia Arrais, da Liga Feminina, diz que a campanha "Vidro para Vida" garante uma renda fixa que ajuda na manutenção da casa.

São 54 coletores de vidros espalhados em ruas, avenidas e praças de Fortaleza. Uma parceira com a Companhia Industrial de Vidro, que trabalha com reciclagem, recolhe os vidros doados, e após a pesagem, repassa o dinheiro para a instituição. As voluntárias estão sempre buscando alternativas para aumentar a arrecadação. Lúcia observa que o ideal é manter uma reserva em dinheiro para gastos extras. Isso porque os medicamentos usados no tratamento do câncer são caros. Doações podem ser feitas pelos telefones 288-4400 ou 281-4812 (Casa de Apoio).

Convênios são alternativas para o ICC

A falta de recursos foi responsável pela demora da construção do Hospital do Instituto do Câncer do Ceará (HICC). O ICC funciona desde 1944, mas só em 1998 o hospital foi erguido. O funcionamento ocorreu um ano depois, quando saiu o credenciamento dos leitos pelo Sistema Único de Saúde (SUS), responsável por 99% dos recursos. Para diminuir a dependência do SUS, a unidade abriu, recentemente, o atendimento para pacientes de 10 convênios. Foi a formúla encontrada para driblar a crise.

O único hospital no Estado especializado no tratamento do câncer, possui aparelhos sofisticados que ajudam no diagnóstico da doença e oferece tratamento cirúrgico, radioterapia e quimioterapia. O diretor clínico, Victor Hugo Medeiros, observa que a estrutura hospitalar possibilitou ampliar o atendimento. Com o pagamento dos convênios, espera cobrir os gastos com os usuários do SUS. Ele acredita que, a curto prazo, a alternativa para as instituições filantrópicas não fecharem as portas, é buscar parcerias e ampliar os serviços como fontes de arrecadação. Outra saída, a longo prazo, seria o reajuste da tabela de procedimento do SUS.

A procura pelos serviços ofertados pelo ICC é elevada. São 4 mil consultas mensais realizadas no ambulatório de prevenção, mas a instituição recebe do SUS apenas por 700 procedimentos. O médico diz que "o resto é coberto pela filantropia". Pelo menos 180 mamografias (exame radiológico da mama) são feitas por mês. As cirurgias ficam em torno de 200, além de 500 radioterapia e 2 mil quimioterapias. De acordo com o levantamento do ICC, 52% da clientela é de Fortaleza, 40% do Interior do Ceará e o restante de outros estados. A Fundação Banco do Brasil doou 80% dos equipamentos do Laboratório de Anatomia Patológica do HICC.

Socorro na Santa Casa

Há 16 dias, Maria do Socorro Cabral, 50, está internada na Santa Casa de Misericórdia de Fortaleza. Ela é uma dos 200 doentes internados na unidade e que dependem do Sistema Único de Saúde (SUS). A dona-de-casa sofre de cirrose hepática (doença no fígado) e precisa de um tratamento prolongado.

A paciente diz que pensou que morreria em casa, devido a dificuldade que os usuários do SUS tem para conseguir leito hospitalar. Com estado agravado e necessitando de internação urgente, foi na Santa Casa que ela encontrou um leito. "O que seria dos pobres se não existisse a Santa Casa?", indaga Lúcia Maria Cabral, filha de Maria do Socorro.

O primeiro atendimento a dona-de-casa recebeu em Maracanaú, município da Região Metropolitana de Fortaleza, mas sem condições de ser tratada lá foi encaminhada para Santa Casa. Maria do Socorro conhece a história da crise do hospital e confessa que se tivesse condições financeiras ajudaria.

Foto do Jornal O POVO
Maria do Socorro Cabral

Assistência aos Cegos é exemplo de administração

Um hospital e uma clínica que atendem convênios e particulares dão suporte financeiros a Sociedade de Assistência aos Cegos. A entidade filantrópica presta atendimento a 1,2 mil crianças oferecendo serviço especializado na área de oftalmologia e a 137 portadoras de deficiência visual que estudam na escola mantida pela sociedade. Além do fardamento, material didático, ganham tíquete refeição e vale-transporte para custear o deslocamento de casa até a instituição. São 97 funcionários, 36 médicos e uma média de 530 cirurgias por mês.

O diretor de saúde, Waldo Pessoa, orgulha-se do bom desempenho financeiro da entidade, diz que o SUS é a melhor fonte de arrecadação e que é preciso mudar a maneira de exercer a filantropia. "Não é porque é filantrópica que tem que viver com o pires na mão, dependendo do governo e de doações". O médico observa que a atual situação do País exige que as instituições procurem novas fontes de recursos para se tornarem sustentáveis.

O modelo de administrar executado pela Sociedade de Assistência aos Cegos despertou interesse dos dirigentes de duas instituições, uma em São José dos Campos (São Paulo) e a outra em Goiânia. Eles conheceram de perto o trabalho e pretendem aplicar para superar a crise.

A sociedade mantém ainda uma imprensa Braile, fornecendo gratuitamente todos os livros usados por deficientes visuais. No País, existem duas. A outra fica em Belo Horizonte.

O Instituto de Oftalmologia do Pirambu foi fundado em 1960 pelo padre Hélio e voluntários. No início, o hospital era mantido com doações. Depois foi credenciado ao SUS, que segundo o diretor Valzenir Rodrigues de Castro, arca com 70% dos procedimentos. "O que o SUS paga não cobre os gastos, como não podemos negar atendimento, uso recurso próprio". Por mês, são cerca de 3 mil consultas e em média 300 cirurgias. Para ele, a parceira com empresários e a ajuda da sociedade como todo são alternativas que podem melhorar a situação das filantrópicas. (FG)

Panificadora ajuda Iprede

A Panificadora do Instituto de Prevenção à Desnutrição e à Excepcionalidade (PanIprede) não produz o suficiente para bancar as despesas da instituição, mas o dinheiro que entra com a venda dos produtos ajuda. No estabelecimento, instalado em 1996 com recursos financeiros da Fundação Airton Senna, são produzidos em média 1,1 mil pães por dia, além de bolos, tortas doce, salgados. Um cento de salgadinho, por exemplo, custa R$ 9,00. As tortas são vendidas a R$ 12,00, R$ 15,00 e R$ 18,00, respectivamente nos tamanhos, pequeno, médio e grande.

Quem faz encomenda na PanIprede também está contribuindo com o tratamento das crianças desnutridas e salvando vidas. Além das mercadorias feitas por encomendas, outros produtos podem ser adquiridos no balcão como pizzas, tortas de frango, coxinhas, esfirras, pudins.

Cinco profissionais cuidam da produção e garantem que tudo é feito com muito cuidado. A panificadora funciona diariamente das 6h30min às 19 horas, na rua professor Carlos Lobo, 15, Cidade dos Funcionários (271-1300). Uma parte do trigo usado vem de doações de moinhos locais.

Instalações precárias

O Instituto Espírita Nosso Lar funciona desde 1948, mas o hospital psiquiátrico foi fundado em 1968. Uma média de 127 pacientes fazem tratamento no local. A folha de pagamento de pessoal consume 70% da receita oriunda em 99% do Sistema Único de Saúde (SUS). Atualmente, o maior problema é conseguir recursos para pagar o 13° salários dos 110 funcionários.

A presidente da instituição, Luzia Bastos, diz que ampliar o atendimento, recebendo particular ou convênios, seria a solução. No entanto, para adotar essa medida seria necessário melhorar as instalações da unidade, o que não é possível devido a falta de dinheiro. Segundo ela, os gastos com a manutenção do hospital são elevados. Ela afirma que as instalações são depredadas pelos doentes.

Além do hospital, o instituto mantém ainda a Casa da Criança (rua Tereza Cristina, 2266-214-5036) e a Casa do Idoso (rua Júlio Gaspar, 454- Parangaba (495-2179). Frutas e verduras utilizadas na alimentação dos pacientes são doados pelo Grupo Pão de Açúcar. (FG)

INSTITUIÇÕES FILANTRÓPICAS NA ÁREA DE SAÚDE/FORTALEZA

-Santa Casa de Misericórdia de Fortaleza
-Hospital Psiquiátrico São Vicente de Paula
-Instituto de Oftalmologia do Pirambu
-Instituto de Prevenção à Desnutrição e à Excepcionalidade (Iprede)
-Instituto do Câncer do Ceará (ICC)
-Sociedade Médica Hospital e Maternidade Juvenal de Carvalho
-Instituto Espírita Nosso Lar
-Sociedade de Assistência aos Cegos
-Sociedade Beneficiente São Camilo (Hospital Cura D' Ars)
-Hospital Batista Memorial


Volta página principal Maiores informações:
Volta página anterior envie Mail para Webmaster da SAC