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Jornal O POVO
Sábado - 30-11-2002

Fortaleza - Ceará - Brasil
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CLUBINHO
Alegria que vem da bricadeira


Ana Mary C. Cavalcante (da redação)

      Certa vez, li um livro chamado Como Nasceu a Alegria (Editora Paullus, escrito por Rubem Alves). A história conta a vida de uma florinha que, ao nascer, cortou uma de suas pétalas num espinho. “A florinha nem ligou e vivia muito feliz com sua pétala partida. Ela não doía. Era uma pétala macia. Era amiga”, escreve Rubem Alves.

     “Até que ela começou a notar que as outras flore as olhavam com olhos espantados. E percebeu, então, que era diferente”, continua o autor da história. “E ela foi ficando triste, triste... Não por causa da sua pétala rachada, mas por causa dos olhos das outras flores”.
     Então, a florinha chorou. A terra, molhada pela lágrima, preocupou-se. Chamou a árvore e contou que a florinha chorava. E a árvore contou aos pássaros. E os pássaros contaram às nuvens. E as nuvens contaram aos anjos que brincavam no céu, pulando de uma nuvem para outra. E os anjos contaram a Deus. E Deus também chorou.
     Tanto choro virou chuva, que virou rio, que virou mar. “Nos rios nasceram peixes pequenos. Nos mares apareceram os peixes grandes. A florinha abriu os olhos e se espantou com todo aquele reboliço. Nunca pensou que fosse tão querida. E a sua tristeza foi virando, lá dentro, uma espécie de cócega no coração, e sua boca se entortou para cima, num riso gostoso...”. A história está quase terminando. Mas, antes de acabar, tem uma surpresa:

Foto do Jornal O POVO

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     “As flores belas e infelizes não tinham perfume, porque nunca riam. Quando a florinha sorriu, pela primeira vez, o perfume bom da flor apareceu. O perfume é o sorriso da flor. E o perfume foi chamando bichos e mais bichos... Vieram as abelhas... Vieram os beija-flores... Vieram as borboletas... Vieram as crianças. Um a um, beijaram a única flor perfumada, a flor que sabia sorrir. E sentiram, pela primeira vez, que a florinha, lá dentro do seu sorriso, era doce, virava mel... Esta é a estória do nascimento da alegria”.
     Eu me lembrei dessa história assim que visitei dois lugares: a Sociedade de Assistência aos Cegos e Instituto Felippo Smaldone. No primeiro, conheci crianças que não têm visão (ou enxergam pouco). No segundo, conversei com meninos e meninas que não podem ouvir. Nos dois lugares, encontrei muita alegria. Uma alegria especial, que as crianças guardam dentro de si. (Por isso, às vezes, os adultos são iguais às crianças: eles lembram que existe um esconderijo infantil onde se pode buscar um pouquinho da alegria. Então, saem nas ruas de estrela na testa, de bandeira na mão, fazendo carnaval fora de fevereiro. E cantam, e pulam, e se abraçam. Mas essa é outra história).

Um jeito diferente de ver o mundo

      Eu tinha uma curiosidade: será que as crianças que não podem ver gostam de livros? Fiquei curiosa porque, desde criança, eu gosto de ler. Mesmo quando não entendia o que diziam as letras, ficava horas e horas olhando as figuras.
      A curiosidade me levou à Sociedade de Assistência aos Cegos. E eu tive uma bela surpresa: a biblioteca, assim como o parquinho de diversões, é o lugar preferido da turma. “Desde o maternalzinho, eles vêm aqui”, diz a professora Andreia Barros do Carmo.

      Paulo César da Silva Lima, sete anos, de tanto ler Branca de Neve e os Sete Anões, sabe de cor a história. Já Rafael Oliveira, nove anos, foi o caçador na peça que transformou Chapeuzinho Vermelho em tetro. Ora, houve a maior festa! Em setembro, aconteceu a Semana Cultural e as crianças se vestiram de Cuca, Dona Benta, Saci, Lobo Mau... “A biblioteca também é espaço para dança, música e teatro”, ensina tia Andreia.
      Quem não pode ver aprende a ler e a escrever usando alfabeto braille. É tão difícil quanto qualquer alfabetização. Ao invés dos olhos, são os dedos que descobrem as palavras, formam os desenhos. Já imaginou, ler com as pontas dos dedos?! (foto ao lado)
      Eu, que já sou grande, não sei fazer isso. Mas, visitando a Sociedade de Assistência aos Cegos, aprendi outras coisas. Por exemplo: aprendi a ver alegria e solidariedade. Lá, as brincadeiras preferidas são pega-pega, polícia e ladrão, pular corda. E as crianças andam sempre com a mão no ombro do amigo, ou de mãos dadas. Mostrando que o mundo é uma ciranda.

Foto do Jornal O POVO

Aprendendo com as diferenças

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      Para ensinar, é preciso aprender. E não é só o professor que deve vira aluno. “Muitos pais não têm conhecimento do braille. Aqui, são oferecidos cursos para os pais”, convida Vicente Matias, professor de Educação Física na Sociedade de Assistência aos Cegos.
      Não é fácil ler com as pontas dos dedos, ou falar com as mãos. As escolas não têm professores e equipamentos para a educação de crianças com necessidades especiais. Mas existe uma lei no Brasil - a Lei de Diretrizes e Bases da Educação - que garante a matrícula de qualquer criança na escola. No seu colégio, existe alguma criança surda, ou deficiente visual? Existe alguma criança com Síndrome de Down? Existe alguma criança que não pode andar? Viu? Muitas crianças ainda estão fora da sala de aula.

A história do alfabeto braille

      O educador francês Louis Braille (1809-1852) é o inventor das letras que os cegos podem ler: o alfabeto braille. Quando tinha cinco anos, mexendo nas coisa do pai artesão, Louis furou o olho e perdeu a visão. Isso não impediu o garoto de estudar: ele aprendeu, inclusive a tocar piano e, quando cresceu, tornou-se professor.
      Mas Louis vivia preocupado: Como os cegos podiam ler? Um dia, ao ouvir uma notícia no jornal, ele procurou o capitão Charles Barbier de la Serre. O capitão havia descoberto um modo de ler no escuro, com letras que eram pontos e traços. Braille, mais sabido, melhorou a invenção.
      Ele criou um sistema “simples”: seis buracos dentro de um pequeno espaço. Os buracos se multiplicavam em 63 combinações diferentes e cada combinação era uma letra, uma palavra, ou um sinal de pontuação. Com isso, muita gente aprendeu álgebra, gramática e geografia. E continua aprendendo muito mais, até hoje.
      Para conhecer o braille, você pode pesquisar na Internet. Um endereço legal é o do Instituto Benjamin Constant (www.ibcnet.org.br), onde está o “Mundo Braile”. Você também pode visitar a Biblioteca Braille Josélia Almeida, parte da Sociedade de assistência aos Cegos.

Para saber mais

      A Sociedade de Assistência aos Cegos (SAC) foi criada em 1942 por dois amigos: o oftalmologista Hélio Góes Ferreira e o padre Arquimedes Bruno. Ela é uma sociedade filantrópica, quer dizer, feita de amor e atenção aos outros. As crianças, os jovens e os adultos podem freqüentar a SAC sem pagar nada. E a Sociedade é grande. Conheça um pouco:

- Instituto de Cegos Dr. Hélio Góes Ferreira - fundado em 1943, é a primeira escola do Ceará para a educação de deficientes visuais. O Instituto oferece educação infantil (hoje, existem 67 crianças matriculadas, do maternal à alfabetização), ensino fundamental e alfabetização de adultos;

- Biblioteca Braille Josélia Almeida - na sala de leitura, é possível ter oficinas de textos, ouvir histórias, assistir vídeos...

- Imprensa Braille Rosa Baquit - “traduz” livros e outros textos para o braille.

- Banco de Olhos do Ceará - desde 1976, recebe doações de córneas para transplante.

      A SAC oferece ainda cursos para professores. Eles podem aprender a linguagem braille e a usar o DOSVOX. Há também cursos profissionais, como: fabricação de bengalas e vassora, bijuteria e inglês.

      Outrs informações no site www.sac.org.br, ou na Av. Bezerra de Menezes, 892, São Gerardo. Fone: 281.6111


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