Jornal O POVO
Sexta-feira - 24-06-2005
Fortaleza - Ceará - Brasil
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CINEMA
Para ver o invisível
Alunos do Instituto Hélio Góes, ligado à Sociedade de Assistência aos Cegos, foram ao Espaço Unibanco, no Centro Dragão do Mar, conferir o filme A Pessoa é para o que Nasce, documentário com foco na vida de três deficientes visuais tocadoras de ganzá. Entre pipocas e refrigerantes, sentidos aguçados, risos, visão crítica
Extensão do tato, as bengalas de metais, dobráveis, demarcam espaço em zigue-zague, abrem caminho. Autônomos, os deficientes visuais do Instituto Hélio Góes, ligado à Sociedade de Assistência aos Cegos, apressam o passo rumo à sala escura, visivelmente ansiosos. Para "ver" o filme A Pessoa é para o que Nasce, em cartaz no Espaço Unibanco Dragão do Mar, aguçam todos os sentidos, querem aumentar o volume e fazem do trio de professores-acompanhantes seus "tradutores" em tempo real. A eles, perguntam detalhes de cada cena: como é o ambiente em foco, que cores têm as roupas dos personagens, qual o tipo físico de cada um. "Ouço e pergunto, ouço e pergunto, daí meu cérebro se encarrega de formar as imagens. A gente não vê só com os olhos. Muita gente que tem visão não enxerga o que a gente enxerga, justamente porque não tem criatividade", avisa o ex-caminhoneiro Antônio Rodrigues, que perdeu a visão há dois anos, mas ainda ousa pôr o carro da esposa na garagem. |
Logo à entrada, dá na
vista o bom-humor. "Vamos ficar no centro da sala, que é onde dá pra ver
melhor", dispara José Paes, cego há precisos 2 anos e 10 meses. "Só não
quero ninguém alto na minha frente", emenda o colega Raimundo Nonato. Na tela, a
história real das três irmãs paraibanas, tocadoras de ganzá e cegas de nascença, é
motivo de riso e reflexão crítica. Carlisete Campos, 31, cega desde a primeira
infância, não entende como as chamadas Ceguinhas de Campina Grande, nacionalmente
conhecidas graças ao filme, chegaram a tocar ao lado do ministro da Cultura e compositor
Gilberto Gil, mas acabaram retornando às ruas de sua cidade-natal para pedir esmolas.
"Foi ruim elas terem perdido a fama no final. Apesar disso, a gente vê que basta dar
uma oportunidade ao deficiente visual pra ele mostrar sua capacidade, né? Elas são
autênticas, têm uma alegria contagiante, achei show! Me identifiquei mais com a Maroca,
que acabou se apaixonando pelo diretor. Ela é sincera, não conseguiu ficar calada. Pena
que ele já era casado", lamenta a moça que teve melhor sorte. "Conheci meu
marido em um esbarrão. Foi amor à primeira trombada!", diverte-se. |
De olho na inserção social
Se a pessoa é para o que nasce, como
afirma Maroca, protagonista cuja fala, de tão espontânea, acabou sugerindo o título do
filme sobre as três Ceguinhas de Campina Grande, Josélia Almeida, diretora-secretária
da Sociedade de Assistência aos Cegos está certa de que nasceu para tomar a frente da
luta pela integração de deficientes visuais na sociedade. Hoje, não só dá nome à
biblioteca braille da entidade, como passou a ser jocosamente chamada de "insistente
social". Ela e quatro professores do Instituto Hélio Góes, que fizeram as vezes de
intérpretes do grupo convidado pelo Espaço Unibanco para a sessão fechada do
documentário A Pessoa é para o que Nasce, aproveitaram o encontro para distribuir
material institucional e divulgar o alfabeto braille.
"Aprenda o alfabeto em relevo que você não terá
problemas quando acharem a sua agenda e quiserem lhe investigar. Se os deputados
envolvidos na CPI dos Correios soubessem disso, hein, teriam hoje bem menos provas contra
eles", diverte-se. Coordenando desde a década de 1960 a sociedade sem fins
lucrativos fundada em 1942, Josélia gaba-se do trabalho da equipe multidisciplinar
responsável pela educação, saúde, profissionalização e inserção social da pessoa
portadora de cegueira. Braço extensivo, o Instituto Hélio Góes concentra a escola
fundamental, onde é possível cursar do maternal à 6º série, além de aulas de
informática, teatro, artesanato, coral, orientação e mobilidade. Paulo Roberto
Cândido, professor de informática, diz que o grupo já vinha participando de uma lista
de discussão na internet, através do programa Dosvox, onde o filme A Pessoa é para o
que Nasce entrou em foco.
Há ainda uma rádio virtual especialmente voltada para
deficientes visuais que vem funcionando como meio de intercâmbio cultural entre
deficientes visuais de todo o País. "É importante que os deficientes visuais tenham
acesso não só às informações como também aos espaços disseminadores de educação e
cultura. A iniciativa do Espaço Unibanco em convidá-los para uma exibição especial
deveria ser copiada por outras instituições e virar regra. Os alunos querem participar
da vida cultural da cidade", defende. A recíproca é verdadeira.
Assim, Helô Sales, professora de artes, anuncia e convida
para a quadrilha organizada pela instituição, próximo dia 29, a partir de 17h30min.
"Depois que cheguei ao Instituto enxergo tudo, antes eu não enxergava nada.
Participo das festinhas e até croché eu faço. O tempo passa e eu nem vejo",
credencia Francisca Tavares de Lima, 78. (EP)
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