Símbolo do Jornal O POVO
Jornal O POVO
Sábado
- 16-12-2006

Fortaleza - Ceará - Brasil
http://www.opovo.com.br
MÚSICA E APLAUSOS
Despedida do homem que "curava a vista" das pessoas


     O médico Waldo Pessoa, assassinado durante um assalto na última quinta-feira, 14, partiu ao som de aplausos e acordes de um violino, no fim da tarde de ontem


Foto do Jornal O POVO

     - Mãe, esse é o meu amigo? Ele morreu?
     - Sim, Jonatan, e agora está no céu.

     Recebida a notícia, o menino baixou a cabeça e chorou. Pediu à mãe, Maria da Saúde, que lhe comprasse uma rosa branca. Seria seu jeito de homenagear o amigo que se fora - por vontade alheia. Vestiu a camisetinha laranja e o short amarelo, e se pôs sobre as sandalinhas de borracha. Comprada a rosa, ergueu-a firme e foi levado, de ônibus, pela mãe e a avó até o cemitério Parque da Paz. Jonatan era uma entre as dezenas de pessoas que foram dar adeus, ontem, ao médico Francisco Waldo Pessoa de Almeida. Após o dia de velório e a missa de corpo presente na funerária Ternura, o corpo chegou exatamente às 17 horas no cemitério, onde foi recebido por uma mistura emocionada de palmas e acordes de um violino.

     Jonatan Souza da Costa acompanhou, pela tevê, a cobertura da morte de seu amigo. O pequeno tem sete anos. O amigo, mais experiente, tinha 69 quando lhe roubaram a vida, tomada de assalto no fim da tarde da última quinta-feira, 14. Jonatan sofre com um glaucoma (aumento da pressão intra-ocular que causa danos no nervo óptico) desde bebê, quando passou pela primeira cirurgia. Ele enxerga graças ao médico, que era oftalmologista e diretor-presidente da Sociedade de Assistência aos Cegos (SAC), também conhecida como Instituto dos Cegos.

     Portadores de deficiência visual, alunos, pacientes e ex-integrantes do Instituto fizeram questão de despedir-se do médico, tanto no velório, onde rezaram o terço em grupo, quanto no enterro. "Ele era um homem com 'h' maiúsculo" - a jovem Lara Andrade, 17, enchia a boca para falar de Waldo Pessoa. Desde que tinha um ano e dois meses ela é atendida pelo Instituto. Portadora de retinoblastoma, perdeu 100% da visão, mas é completamente ativa graças ao trabalho desenvolvido em vida pelo médico. "Já estagiei na informática, toquei em uma banda e até passei no vestibular", relatava a jovem, que hoje cursa Gestão em Recursos Humanos.

     Uma Lara discreta baixou a cabeça e chorou baixinho durante o enterro. Pela mão esquerda, era amparada pelo pai, José Williams Guerreiro. Já a mão direita era confortada em aperto por Júlio César, 21, freqüentador do Instituto desde 1999. "Era uma ótima pessoa, sempre brincando e procurando nos ajudar", afirmou. Eles tinham a companhia também de Geovânio Ferreira, 37 anos, oito deles no Instituto. Antes, no meio da multidão que seguia em cortejo, o trio se misturava a gente como eles, que pisava firme mesmo sem o auxílio dos olhos; e aos familiares, amigos, colegas de trabalho e diversas autoridades.

     "Ele só me chamava de Caritó, por causa de um personagem que eu fazia", disse José Alfredo Sousa, 64, que já foi ator em diversas peças promovidas no Instituto. "Ele era uma pessoa humilde e estava sempre por perto", completou Antônia Sousa, 38. Ambos não enxergam com os olhos. O amigo de Jonatan e de outros tantos foi-se do jeito que gostaria, com música. Tom Jobim e Vinícius de Morais emprestaram letra aos acordes derradeiros. "Eu sei que vou te amar".

     Antes de findar as observações, uma última prosa com o pequeno amigo.

     - Jonatan, como é que era o doutor Waldo?
     - Ele tinha cabelo branco, barba branca, e usava óculos. Era legal.
     - E o que ele fazia?
     - Curava a vista da gente.

CAPA DO JORNAL O POVO DO DIA 16/12/2006
CAPA DO JORNAL O POVO DO DIA 16/12/2006


Volta página principal Maiores informações:
Volta página anterior envie Mail para Webmaster da SAC