Há quase 13 anos um jovem acadêmico recém-formado em Direito, prestes a fazer o exame da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), sofreu um acidente. Ao voltar de uma das suas pedaladas diárias, sua bicicleta chocou-se com um caminhão. O veículo não conseguiu frear a tempo e atingiu a cabeça do ciclista. Resultado: perda total e imediata da visão e do olfato. Sua vida mudou. Mas ele conseguiu uma nova chance a partir do esporte.
      Hoje, depois de prestar o exame da OAB e de ter deixado a vida de aspirante a advogado para trás, o servidor público aposentado Paulo Cardoso acorda todo dia às 4h40min da manhã. Liga para o guia, Gregório de Morais, o Greg, e pergunta sobre o tempo. Nas condições ideais, os dois saem para pedalar durante três horas na CE-040 ou na Praia do Futuro. A bicicleta agora não é mais um hobby. Virou profissão.
      Às 9 horas, Paulo está na sala de aula, onde hoje cursa educação física. De tarde, vai para a academia e, em alguns dias, faz natação. Se chover, parte para a corrida.
       Essa rotina, que, em certos momentos, é ainda mais intensa, levou Paulo a alcançar alguns sonhos, como competir pelo Ironman Brasil em 2003. Nessa prova de triatlon, ele conquistou o segundo lugar, depois de pedalar 180 quilômetros, nadar 3,8 quilômetros e correr 42 quilômetros.
      Com o auxílio do guia Greg, que também é atleta, Paulo pedala em uma bicicleta italiana, acoplada para andar em dupla. “Há 12 anos, eu não sabia nada como continuar a viver sendo cego, me readaptar, quanto mais como ia fazer esporte. Mas uma coisa eu sabia: ia arrumar uma maneira”, comenta. Para ele, se as ruas da cidade fossem adaptados para cegos, não sentiria diferença alguma no treino, a não ser pelo guia.

Paulo acorda todo dia às 4h40min
para treinar com o guia Greg

      Desde 2004, o ultramaratonista Gregório de Morais é o guia oficial do atleta Paulo Cardoso. Ser guia do Paulo significa correr ao lado dele e estar no segundo assento da bicicleta acoplada para dois. Greg, como prefere ser chamado, fica em alerta com os carros que passam muito próximo do acostamento da CE-040, um dos lugares em que eles treinam ciclismo juntos.
      Os dois dão a entender que têm uma sintonia fina, e a parceria deu certo, pois Greg nunca havia sido guia de ninguém antes. “O Paulo estava procurando um guia e me informaram na Beira Mar. Conversamos e já estávamos correndo juntos. Foi rápido o processo de adaptação”, ele diz.
      O curioso é que Greg não pedalava antes, só corria. O guia conta que foi o atleta que o ensinou e estimulou a pedalar. “Nunca caímos em treinos, desequilibramos, ou nada do tipo. Na verdade, ele que me dá os toques na bicicleta. As passadas de marcha, ele que percebe”, conta Greg sobre os treinos juntos.
      O serviço de guia-atleta ainda não é muito difundido no Estado. Greg comenta que desconhece outras pessoas no Ceará que façam o mesmo, especialmente no caso do treino para triatlon, que envolve corrida, ciclismo e natação.
      No caso de Paulo, eles buscaram e afinaram as estratégias de treino juntos, já que Greg. (MP)

Paulo Cardoso, em treino como seu
guia, Gregório de Morais, o Greg