Jornal O POVO
Segunda-feira - 19-12-1949
Fortaleza - Ceará - Brasil
Um exemplo de tenacidade, desprendimento e amor ao próximo
O INSTITUTO DOS CEGOS DO CEARÁ
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A história da humanitária instituição - um grupo de abnegados a serviço dos que não vêem - Seis anos de sacrifícios e luta - As primeiras vitórias - O que foi o dia de ontem no estabelecimento da Avenida Bezerra de Menezes. |
O dia de ontem foi um grande dia para o Instituto
dos Cegos do Ceará. É que se comemorou, solenemente, dois grandes acontecimentos: o
encerramento do ano letivo e a inauguração de três novos pavilhões. Grande número de
autoridades, à frente das quais se encontrava o governador Faustino de Albuquerque, e de
pessoas de nossa aristocrática sociedade, com predominância do elemento feminino,
compareceram aquela utilíssima instituição, levando o seu apoio moral e material aos
nossos infelizes irmãos que vivem no mundo das trevas. Lá se demoraram por varias horas,
acompanhando todos os festejos, que tiveram inicio com a missa e terminaram com um lauto
almoço. Vale salientar, entretanto, que a parte mais atraente do programa da festas
foi a sessão litero-músical no decorrer da qual os cegos demonstraram as suas
habilidades: uma executando número de música e outros lendo discursos, pelo
método
Braille. Diante de espetáculo tão belo e comovente, todos os visitantes se mostraram
impressionados, sem esconder o seu entusiasmo. Para se ter uma idéia da magnificância
da festa, nada melhor do que citar uma frase do Chefe do Executivo, quando
pronunciou entusiástica oração de encerramento:
- Não conheço outra instituição no Ceará que com tão, pouco renda
tanto.
A HISTÓRIA DA INSTITUIÇÃO
Durante a nossa permanência no Instituto dos
Cegos,
localizado no bairro do Alagadiço, à Avenida Bezerra de Menezes, aproveitamos a
oportunidade para fazer uma reportagem, com o objetivo de mostrar aos nossos leitores o
que é aquele conceituado estabelecimento. Principalmente com a sua história. A
Instituição foi criada no ano de 1943, por um grupo de particulares e com o auxilio da
Legião Brasileira de Assistência, com a denominação de Casa dos Cegos. Destinava-se a
abrigar os que não vêem, sem distinção de idade e sexo. Era uma espécie de asilo. No
ano seguinte, os seus dirigentes idealizaram transformar a Casa dos Cegos em Instituto
dos Cegos, com outro objetivo mais útil, qual seja o de adaptar os asilados à sociedade.
Tarefa difícil, muito afanosa, mas que tem logrado êxito, pois no curto período de seis
anos, aquela organização já tornou dezenas de cegos úteis à sociedade. Numerosos
exemplos teríamos que citar, se fossemos enumerar os casos de cegos adaptados pelo
Instituto, durante este espaço de tempo. Citamos, porém, dois casos bem curiosos: o
primeiro é de Sebastião Belarmino mais conhecido por "Ceguinho da PRE-9", que
ali tirou o seu curso e foi se aperfeiçoar no Rio, no Instituto Benjamin Constant. Depois
de Concluir os estudos com brilhantismo, foi convidado pelo governador da
Paraíba para
lecionar numa escola de cegos. O segundo é o de Jose Alencar Bezerra, vindo do Piauí,
que após a conclusão do curso, daqui também se transportou à capital da Republica,
onde se diplomou seguindo posteriormente para São Paulo, onde trabalha na imprensa e no
rádio.
Maiores se tornam os sucessos do Instituto dos Cegos do Ceará, ao
conhecemos detalhes de sua história, toda cheia de vicissitudes. Tem sido na realidade
uma luta pela subsistência. Com uma subvenção anual de dez mil cruzeiros do governo
Federal e um pequeno auxílio da Legião Brasileira de Assistência, tem-se erguido aquela
instituição, da qual os cearenses podem se orgulhar. É que um grupo de abnegados, à
frente dos quais os drs., João Matos, Hélio Góes, Raimundo Piquet, Valdemar
Alcântara
e Silvio Leal e d. Maria Braga, têm sabido dirigir a nau no mar porceloso. João Matos
é um grande capitão, habilíssimo na arte de arrancar donativos do nossos ricos,
principalmente do Rotary Club, que sempre acorre com recursos financeiros quando
o Instituto atravessa momentos dificultosos. Os drs. Hélio Góes e Raimundo Piquet, por sua
vez, fazem render as contribuições conseguidas. E d. Maria Braga, finalmente, sabe
apertar o cinto, dirigindo a economia interna no Instituto, sem deixar os seus pupilos e
as suas pupilas passarem necessidade. Não fosse o espírito abnegado dos administradores,
aquela obra grandiosa, como muitas outras de nossa terra, já teria ido de água abaixo.
38 CRIANÇAS NO CURSO
O Instituto dos Cegos do Ceará
mantém dois
cursos: o primeiro e industrial. Quando conclui tais cursos, o cego pode considerar-se
apto para ganhar a vida tornando-se útil à sociedade, sem necessitar estender a mão à
caridade pública. Muitos, porém, após a conclusão dos cursos, desde que revelem grande
pendores, são encaminhadas ao Rio a fim de se especializarem no Instituto Benjamin
Constant. Ainda ontem o governador Faustino de Albuquerque colocou 2 passagens de avião a
dois concludentes. Os atuais cursos contam com uma matricula de 38 cegos de idade menor,
sendo 20 do sexo masculino e 18 do feminino. E, dada a educação e o tratamento que ali
recebem, vivem felizes, sem complexos. Esquecem-se por completo da treva em que vivem,
porque, ali encontraram um mundo diferente, onde se cumpre os mandamentos da lei de Deus,
principalmente o que diz:
- Amar ao próximo como a ti mesmo.
Além das crianças cegas, existem adultos inclusive anciões,
que ali se encontram desde o tempo da fundação da casa.
O OTIMISMO DO PROFESSOR ESMERALDO
No Instituto dos Cegos existem dois professores
sem vista: Esmeraldo Vasconcelos e Artur Barros. O primeiro leciona aos meninos, o segundo
às meninas. Esmeraldo, além de escrever e ler, conhece música muito bem. Toca, diversos
instrumentos: violão, cavaquinho, piano, flauta, pandeiro, etc. - e como se isso não
bastasse, arranca acordes maravilhosos de um serrote como se estivesse ouvindo
violino. Esmeraldo é um exemplo de tenacidade e abnegação, pois é um autodidata, tendo
aprendido exclusivamente por si, sem recorrer a auxílio de estranhos, a não ser dos
livros. E, o que é mais admirável, na sua singular personalidade, é o acentuado amor
que tem do Instituto e aos seus discípulos. Cremos mesmo - ele que nos perdoe a
insinuação - que ama mais a profissão que exerce do que a própria esposa. E diz:
- Nós cegos não devemos constituir um fardo para a sociedade.
Precisamos e devemos ser-lhe útil. E, dentro dela, viver como todos os mortais.
Cultivamos todos os belos sentimentos, sobretudo o amor, porque sem este a existência se
nós torna arida.
TRABALHOS CONFECCIONADOS
O espírito otimista do professor Esmeraldo se
irradia sobre todo o Instituto influi, de certo, sobre os dirigentes e muito especialmente
sobre as crianças. Estas graças as lições que recebem do mestre, dedicam-se aos
estudos com entusiasmos e com a mesma disposição, empregavam-se aos trabalhos. São
dignos de toda a admiração os trabalhos confeccionados pelos cegos do Instituto, tanto
os meninos como as meninas fazem peças preciosas. Estas executam trabalhos
domésticos que, depois de feitos , ninguém, seria capaz de dizer que saíram das mãos de
uma moça sem vista. Aqueles, por sua vez, não são menos dedicados.
Fazem uma variedade de objetos, principalmente vassouras, que
constituem fonte de renda para o estabelecimento. A proporção que for sendo enriquecido
o patrimônio do Instituto o maior se torna o seu poder aquisitivo, os dirigentes poderão
melhorar as instalações, dotando-as de material necessário, a fim de que os cegos
consigam trabalhos mais lucrativos.
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