Jornal O POVO
Quinta-feira - 25-06-1981
Fortaleza - Ceará - Brasil
O Instituto dos Cegos merece suas vistas
No ano internacional do Deficiente
Físico pouco se houve falar sobre os cegos. Parece até que não constam do rol dos
deficientes. Só os paraplégicos - principalmente estes - e os mutilados são citados e
lembrados pela imprensa. Sobre os cegos nem uma só palavra. |
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Não é das mais agradáveis a impressão que se
colhe ao penetrar-se no instituto dos cegos. Não pela imagem que se tem dos que se acham
ali privados da visão: crianças, adultos, rapazes e moças, a espera de um milagre que
sabem não lhes ser possível obter, porque a grande maioria é cega de nascença,
descende de camadas paupérrimas da população e o mais que almejam é a obtenção de
uma vaga na entidade, onde passam a estudar as primeiras letras do Braille e ter direito a
alimentação, dormitório e roupa lavada. Se tiverem sorte, e tendências que possam ser
aperfeiçoadas, talvez consigam dentro de um determinado período de tempo, uma
colocação numa empresa, na execução de tarefa adequada à sua deficiência. Quantos
chegarão, porém, a esse estágio? Quantos conseguirão o emprego desejado, se este falta
até mesmo para os sãos os sadios, os medianamente dotados? Quantos poderão sentir-se
úteis a si, à família e à sociedade ao invés e pesados aos outros?
Talvez se devesse proceder a um estado sociológico das condições do
cego na sociedade humana, desde priscas eras. A cegueira, como a lepra, são anátemas.
Provocam respeito e temor, piedade e comiseração. O próprio cego - e vamos ater-nos a
esse - ao longo do tempo foi-se empregando dessa idéia de traste imprestável, de coisa
inútil de pessoa desprovida do sentido essencial - e ele próprio passou a tirar partido
da situação, implorando a caridade pública, criando até "refrões" par a si
próprio, - "uma esmola para o ceguinho, por amor de Deus", "ajude o
ceguinho" e outros semelhantes.
E deixar de dar esmolas a um destes, é correr o risco de ser
"amaldiçoado", de receber, como resposta, uma "praga" A maioria não
despede um cego sem que antes não atenda ao seu pedido de esmola.
Por isso nasce a indústria - a
indústria dos cegos pedintes. Ao invés de profissionais cegos, passamos a ter cegos por
profissão. |
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As condições ambientais do instituto, como o dissemos, são desagradáveis à primeira vista. A falta de recursos, latente, no estado das paredes desbotadas, a falta de pintura; nos banheiros dos internos, desprovidos de chuveiros e de descargas - o que obriga ao uso de latas; no pequeno jardim, abandonado, com mesinha e bancos de cimento depredados. As pequenas classes de aula funcionam no "porão" da sede principal, em condição pouco propicia a uma eficiente aprendizagem; em outros blocos antigos de alvenaria, com telhas à mostra, estão os dormitórios, separados, de moças, crianças e rapazes, um refeitório, com banquetes e mesinhas de fórmicas fixas, e a cozinha, e a cozinha com algumas panelas de alumínio no fogo e uma pessoa mal-humorada à frente que se nega a fazer qualquer tipo de comentário sobre o que ocorre na casa, sempre repetindo "não sei de nada", "não falo nada", parecendo até ser parceria de ex-ministro do governo passado...Isso deixou repórter com uma pulga atrás da orelha. |
Nesse dia, nada conseguimos. O Dr. Valdo não
estava, da. Neusa diretoria e assistente social, doente, não fora trabalhar. Ligaram para
o Dr. Valdo e marcamos a entrevista para o dia seguinte, às 14 horas.
O Dr. Francisco Waldo Pessoa de Almeida é médico Oftalmologista,
atual presidente da instituição e antes um deus diretores desde o ano 1970. Fomos
encontrá-lo no consultório existente na clínica, atendendo a alguns pacientes. Afável,
cabelos e barbas grisalhos, apesar de contar tão só 43 anos de idade, lembra um
cientista à moura Brasil ou Ribas. Prontificou-se a falar sobre a entidade que dirige,
respondendo as indagações do repórter. Começou afirmando que o instituto dos cegos foi
fundado no ano 1942 pelo Dr. Hélio Gois Ferreira que a ele se dedicou de corpo e alma
até a sua morte. Por esta razão, em homenagem ao seu fundador e diretor, o instituto
hoje traz o seu nome. A atual diretoria da Sociedade (a mesma que dirige destinos do
instituto) é constituída, dentre outros, pelos Srs. João Mendes Filho médico, Romeu
Vasconcelos, Jamil Vasconcelos, José Bezerra de Arruda, Clóvis Colares, médico, Dirce
Borges, Gen. Torres de Melo os quais foram eleitos para o biênio 80/81. Compõe o
instituto: uma escola de 1º. Grau, uma clinica médica oftalmológica, um centro
cirúrgico, refeitório e cozinha, oficinas pedagógicas, sala de A.V.D. (Atividades da
Vida Diária), biblioteca, como alentado numero de livros em Braille, gabinete
médico-odontológico (pediatria). Recentemente a teleceará doou um aparelho PABX, o qual
vem servindo para treinamento dos alunos. Conta ainda com um aparelho de radioamador,
doação dos radioamadores de Fortaleza.
Atualmente, informa o entrevistado, cerca de setenta internos, em idade
variável de 7 a 30 anos, moram no instituto, com direito a café pela manhã, almoço,
merenda, jantar e vestimenta gratuitos. Para os que estudam - e o regime do internato é
destinado a esses, o que, aliás não impede a prestação de serviços por qualquer
categoria de cegos, através dos setores especializados da entidade - e não conseguem
acompanhar o currículo, tenta-se a profissionalização pela aprendizagem de um oficio e,
posteriormente, a colocação no mercado de trabalho, que tanto pode ser a indústria como
o comércio.
Sobre se há boa receptividade das empresas para esse tipo de
deficiente, acha o Dr. Waldo que sim, e com bons resultados para os empregadores, e cita o
caso da IPLAC, da Empresa Beneficiadora de Estopa, da Imprensa Oficial e da Gráfica
Ravena onde alguns cegos já estão trabalhando na execução de tarefas adequadas à sua
especialidade. Doze, para ser mais preciso.
É o cego deixando a sua antiga situação de pedinte, afirmando-se
como pessoa e como elemento capaz de integrar o processo produtivo.
O instituto dos Cegos, acrescenta o seu presidente, como toda
instituição de fins filantrópicos merece mais ajuda tanto dos poderes públicos como
dos particulares. O instituto dos Cegos, por exemplo, é a única organização talvez no
Ceará e fazer prevenção, reabilitação e readaptação do deficiente visual, enfim
prevenção completa de cegueira. Deveria contar com mais ajuda, mais apoio, dos clubes de
serviços, da população conscientizada e os órgãos de assistência social do governo.
Verba mesmo em dinheiro só recebe do CENESP - Centro Nacional de Educação Especial, e
essa mesma é em valor variável, anual e para aplicação especifica, mediante plano. O
projeto é elaborado no inicio de cada exercício financeiro o numerário liberado no
final deste. Tem mais ao seu dispor a renda proveniente do hospital que recebe, inclusive
previdência, afora clientes particulares, do Banco do Brasil, Banco do Nordeste e
instituições similares, Além de auferir renda mensal decorrente de aluguel de alguns
imóveis pertencentes à Sociedade. Conta Também com o produto de contribuições
voluntárias - já que o instituto não dispõe de quadro de sócios efetivos - e sobre
isso falaremos depois. Recebe ainda cooperação do governo do Estado, através de pessoal
técnico da Secretária de Educação. Secretaria Saúde, Fusesc e mantém convênio com o
programa de Merenda Escolas e com a L.B.A.
Salienta-se que já existe compromisso governamental no sentido de
conceder, a titulo de subvenção, uma ajuda financeira mensal do instituto o que por
certo muito o ajudará.
FRAUDE EM NOME DOS CEGOS
Indagado sobre o volume de arrecadações provenientes de
contribuições mensais fixas obtidas de particulares que se destinariam ao Instituto dos
Cegos - e que é feito, comumente pelos próprios cegos, junto a empresas e repartições
do governo, em autênticas campanhas, o Dr. Waldo declarou que tudo não passa de
desonestidade, de "sabedoria", pois o instituto nem a Sociedade mantêm tipo de
negócio nem vivem de angariar donativos nem sócios. O dinheiro arrecadado, através
desse expediente condenável, porque lesivo ao próprio instituto, deve destinar-se aos
próprios cegos que arrecadam. O Instituto dos cegos não dispõe de pessoal - mesmo cego
- para esse tipo de contato nem ele pertence aos seus quadros. Os que agem dessa forma
agem por conta própria ou insuflados por terceiros.
A única maneira de alguém cooperar com a sociedade dos Cegos é
através do deposito bancário, em conta aberta, na praça S. Sebastião, sob o N.º
100.522. Ali, qualquer um pode depositar a sua contribuição. Essa é a única forma de
colaborar com o instituto. Outra qualquer que aparecer é falsa.
O HOSPITAL E A CLÍNICA
Integrando a área do instituto dos cegos existe como já ficou dito,
um pequeno hospital, nem por isto menos dotado de equipamento e instrumental necessário,
onde são realizadas cirurgias oftalmológicas de toda natureza, inclusive transplante de
córnea. Só em março último, efetivou-se uma média de 35 diversas operações. No ano
passado, conforme dados levantados pelo instituto, 205 grandes cirurgias, 175 pequenas e
6.050 consultas foram procedidas. Já a Clínica em departamento separado. Atende a uma
média diária de 20 consultas gratuitas com cada médico, em número de cinco, em
horários diferentes, atendendo a quatro pessoas.
Respondendo a uma pergunta do repórter sobre as causas maiores da
cegueira no ceará e se ela está aumentando, o Dr. Waldo declarou que o diabetes é uma
das grandes causas da cegueira, isso com relação ao adulto. No recém-nascido a
conjuntivite neo-natal, consangüinidade, glaucoma congênito, catarata congênita,
sífilis e tuberculose são fatores desencadeantes e determinantes do índices de
cegueira, ao lado das condições de pobreza, da falta de higiene, de subalimentação de
segmentos da população que favorecem o aparecimento dessas moléstias na grande maioria
do casos, irreversíveis.
FALTA DE DADOS
O pior é que não existem um serviço de estatística do governo
voltado para esse tipo de pesquisa, como nos respondeu o Dr. Waldo ao ser perguntado a
respeito. O que há em um controle estatístico interno elaborado e de uso pelo instituto,
mas sem que sua existência se deva à exigência de ordem legal e que sirva para futura
fonte de consulta ou de pesquisa por parte de algum órgão da área de saúde pública.
IMPRESSÕES DE UM EX-INTERNO
O deficiente visual Walter Ferreira da Silva, 21 anos, residente na rua
Maria Clara no. 109, bairro de Quintino Cunha, foi aluno do Instituto dos Cegos no
período de 14 de fevereiro de 77 a junho de 79, sendo que, como interno, passou ali um
ano meio. Conhece, portanto, a entidade e sobre ela pode falar de cátedra.
Para Walter que ainda hoje mantém, laços de amizade com companheiros
que continuam na instituição, o Instituto do Cegos muito representa no sentido de
patrocinar uma ajuda, de tentar uma reabilitação ou recuperação que, de outra forma,
se tornaria impossível para pessoas, geralmente crianças e adolescentes, destituídas de
condições econômico-financeiras, uma vez que há estreita relação entre situação
social e índice de cegueira.
Quando a aprendizagem profissional diz que esta somente começou ano
passado e denuncia que, comumente, o aluno escolhido para exercer uma atividade remunerada
na empresa é escolhido não por suas aptidões, mas pelo critério da simpatia pessoal
perante a diretoria. Deu como exemplo um caso recente em que um pai de família foi
preterido por um rapaz que goza de proteção.
O nível de aprendizagem escolar também é deficiente, pois a
escolarização somente atinge até o 2º ano do 1º
grau, com agravante de o aluno ser desligado do Instituto caso saia reprovado nos estudos.
Faz restrições também quanto a qualidade de alimentação fornecida
aos internos, afirmando que durante o tempo em que lá esteve o jantar, por exemplo,
restringia-se a um pedaço de pão com um copo de chá, o que levava a que eles fossem
dormir com fome.
Para Walter, o Instituto dos Cegos precisa ser melhor assistido,
amparado, a fim de que possa realizar um trabalho mais eficientes em favor dos que se
acham privados do sentido da visão.
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