Jornal O POVO
Quinta-feira - 14-11-1985
Fortaleza - Ceará - Brasil
Cegos indicam prioridades para o futuro prefeito atacar
Discriminados de certa forma pela sociedade, que
fecha para eles as oportunidades de trabalho, os deficientes visuais de Fortaleza sofrem
também o esquecimento dos candidatos à prefeitura. Atravessaram toda a campanha
eleitoral sem ouvir nenhuma promessa mais efetiva de que eles iriam ajudá-los a minorar
suas dificuldades. Os cegos, porém, crêem para que o novo prefeito seja mais humano.
"Primeiro com a cidade, depois com as classes menos favorecidas", estima
HugoTrevi de Oliveira, 21 anos, estreando na vida do eleitor.
Entre as reivindicações que os internos do Instituto dos Cegos fazem,
estão a necessidade de se ampliar o número de sinais sonoros - só existe um, na avenida
Bezerra de Menezes próximo ao Instituto - e que "procurem tapar os buracos de
Fortaleza que nos dificultam sobremaneira". Nada mais justo.
Como todo mundo nesta Capital, os cegos "enxergam" na área de saneamento básico, a prioridade do programa do futuro administrador. "Quem fizer alguma melhoria pela cidade, fará muito", entende Maria Arlinda Braga, reclamando a ampliação dos sinais sonoros. Walfrido Viana Furtado reclama a presença da Sumov nas ruas. E tem razão. Quando os deficientes visuais precisam circular pelas ruas de Fortaleza "é um deus-nos-acuda". Ruas intransitáveis, crateras enormes, barreiras arquitetônicas que impedem um melhor deslocamento, calçadas em nível difícil de ser ultrapassado até pelos que vêem, quanto mais por eles que sofrem o problema da visão. Uma miséria, diz um deles, referindo-se à situação de abandono das ruas da cidade. |
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VOTO DIFERENTE
"O que eu gostaria que a nova administração fizesse, antes de
mais nada, é que a Sumov trabalhasse direitinho", diz Walfrido Viana, sendo
corrigido por um companheiro. "Que trabalhasse, já bastava". Os irmãos Ireuda
e Everardo, internos do Instituto dos Cegos, reclamam também da falta da atenção das
autoridades do município para com as ruas, mesmo que ainda não estejam na idade do voto.
Eles, porém, fazem votos de imagem negativa que desabou sobre ela ao correr das últimas
administrações.
A população interna do Instituto dos Cegos é numerosa. São 35 em
regime de internato, 12 semi-internos, 23 que estudam mas moram fora, uma média de 50 que
são assistidos pela organização. É que, depois de alcançarem a 4ª. Série do 1º.
Grau, os alunos de lá ganham as ruas em busca de continuar seus estudos. Muitos já
alcançaram a universidade. Mas esse, infelizmente, um sonho que ainda é restrito a uma
minoria.
Os que atualmente vivem de casa têm consciência que o problema maior
dos deficientes visuais resulta muito mais do preconceito das pessoas de fora, do que
mesmo deles. Alguns pais, principalmente do interior, ainda procuram esconder seus filhos
em casa, o que é lamentado pelo interno Walfrido Viana Furtado. "Eu gostaria de
dizer a esses pais e essas pessoas que têm em casa, pessoas com problema de visão, que
deixem seus filhos irem ao instituto. Lá eles acabam se tornando uma pessoa inútil e
aqui os problemas nossos "diz confiante.
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Mesmo aqueles que vivem e dependem do Instituto sabem que a situação de casa não é lá muito boa. Faltam maior apoio e maior assistência por parte das autoridades. "A própria instituição está quase indo a falência, reitera Hugo Trevi de Oliveira, referindo-se à precariedade da situação. Eles, por exemplo, é monitor de encadernamento e tem visto mais de uma vez faltar material para a escola. "Sei lá, o próximo prefeito poderia estudar melhor o nosso problema. Fechar o Instituto jamais", reitera vozes em igual situação. |
Ivanise Sampaio Ferreira, deficiente visual e
professora do Instituto, acha que a nova administração municipal tem que ser mais
realista. "Esperamos que o novo Prefeito crie novos empregos para os deficientes
junto às empresas". Ela, como todos os outros internos, sabem que não adianta nada
estudar noções básicas ali e depois não poder colocar isso na prática. É preciso dar
aos cegos a oportunidade de um trabalho.
Arlinda Braga, outra interna, reclama que os prefeitos que passaram
pelo Paço Municipal não entenderam ainda a necessidade de se dar os cegos facilidades
para que eles possam se deslocar pelas ruas, sem risco de acidentes. Lembra que a
colocação de sinais sonoros no centro, principalmente, precisa ser estuda com todo
carinho. Eliminar as barreiras arquitetônicas - como gelos baianos, trilhos nas calçadas
- é outra sugestão de Ivanise Sampaio Ferreira, reclamando também um melhor estudo por
parte dos construtores da cidade, no que diz respeito ao levantamento de calçadas nível
chega a ser difícil a transposição até mesmo para pessoas normais. E o exemplo melhor
é o da praça José de Alencar, com seus calçadões elevados.
Em geral, os cegos sofrem mais do que os normais quando precisam
atender aos compromissos de ir e vir pela cidade. Por isso, eles pedirem ao próximo
Prefeito uma atenção toda especial. Dia 15, eles, igualmente a todo cidadão em
condições de voto, irão cumprir seus deveres escolhendo aquele candidato que, imaginam,
possa atender às necessidades de Fortaleza.
Ao contrário dos demais eleitores, os deficientes visuais utilizarão este ano, uma novidade para escolher o próximo prefeito. Uma capa idealizada pelos professores do Instituto ajudá-los-á a cumprir essa tarefa. "Nossa intenção era de legalizar junto ao TRE essa capa de afim de permitir facilidade a quem vai votar", explica Ivanise. "O voto antigo, escrito em Braille, não é nada sigiloso", lembra Hugo, certo de que nas próximas eleições o Tribunal poderá estudar essa outra reivindicação. |
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