Jornal O POVO
Terça-feira - 02-07-1991
Fortaleza - Ceará - Brasil
Deficiente Visual vai à luta pela doação de córneas
Ao invés de esperarem na fila por famílias que possam contribuir, de boa vontade, com órgãos para o banco de olhos, os deficientes visuais do Ceará estão sendo incentivados a, eles próprios, procurarem doadores, visando a transplantes de córnea. Segundo o presidente da Sociedade de Assistência aos Cegos, Waldo Pessoa, essa estratégia faz com que o deficiente se envolva mais com a sua problemática. Ele garante que a nova política começou a dar resultados. |
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Incentivada busca de doadores
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Além de estimular uma maior participação dos deficientes visuais, o banco de olhos procura novas fontes de córneas, como as funerárias |
Está devidamente sepultado o
tempo em que os deficientes visuais esperavam em casa que o banco de olhos
providenciasse córneas e chamasse os pacientes para transplantes, de acordo com
a posição deles numa fila de espera, que, atualmente, conta com 238 pacientes.
Há cinco meses, o Presidente da Sociedade de Assistência aos Cegos, Waldo
Pessoa, entidade que mantém o Hospital Alberto Baquit, a Clínica Ieda Otoch
Baquit, o banco de olhos, o Instituto dos Cegos e a Escola de Primeiro Grau Dr.
Hélio Góes Ferreira, resolveu implantar uma nova política entre os deficientes
visuais que estão à espera de uma doação de córnea.
O novo método consiste basicamente em fazer com
que o paciente também passe a Procurar possíveis doadores, antes uma ação
exclusiva do banco de olhos. "Passamos a achar que o cego não estava envolvido na sua problemática" - revelou o oftalmologista
Waldo Pessoa. Para ele, o banco de olhos estava ocultando do povo a
sua realidade. "Agora, o próprio paciente e a.família dele é quem devem sair em busca de doadores de olhos" - esclareceu o médico. O
oftalmologista, no entanto, incentiva as famílias dos deficientes visuais a recorrerem a
parentes, a fim de evitar dúvidas quanto ao
destino dos órgãos doados.
A nova política começou a dar seus frutos e 30 cirurgias de transplante de córneas já foram efetuadas nos últimos quatro meses. "O efeito multiplicador
dessa nova mentalidade é muito grande" - acredita o Presidente da Sociedade
de Assistência aos Cegos, que dirige a entidade há 12 anos. - Segundo Waldo
Pessoa, a receptividade com o novo método por parte dos pacientes e famílias
tem sido muito boa e uma reunião mensal é realizada com eles e integrantes
do banco de olhos. Nesses encontros, todas as informações sobre os
transplantes são fornecidas aos deficientes cada paciente que consegue um
doador recebe uma córnea, enquanto a outra é doada para um paciente que espera
na fila por um transplante. O banco de olhos está desenvolvendo também junto às
funerárias um trabalho visando à doação de córneas.
Apesar do sucesso da nova política de participação do deficiente visual na
procura de um doador que possa beneficiá-lo com uma córnea, há aqueles que
ainda resistem; A resistência, segundo o médico Waldo Pessoa, deve-se tanto
à acomodação dos pacientes, os quais ficaram tanto tempo à espera de uma córnea, quanto por parte da própria população, que desconhece o valor de uma
córnea de um ente querido falecido. Apesar de o banco de olhos dispor de
cinco mil inscritos para doação de olhos, o impacto da morte, muitas vezes,
inviabiliza a retirada do órgão. "A família não lembra da doação e, portanto,
não avisa ao banco de olhos" - explica. Para aqueles que teimam em ficar esperando pela entidade, o remédio
tem sido a conversa como meio de conscientização da importância do próprio
paciente !o processo de doação, conforme ressalta o oftalmologista.
Para o médico, o comodismo de alguns pacientes é fruto das ações governamentais, que durante muito tempo mantiveram o povo enganado
politicamente, inibindo a própria comunidade de se manter à frente de suas
necessidades. "As pessoas precisam saber que o Governo não pode ser o único
responsável pela ação comunitária; elas também são responsáveis" - frisou o
médico. Ele explicou ainda que qualquer pessoa pode doar sua córnea. No ato do transplante,
médicos especia1izados rea1izam exames necessários. Segundo
ele, são pouquíssimas as doenças que não permitem a cirurgia.
Meta é depender cada vez menos do Governo
As mudanças na
política de doação de córneas é apenas uma parcela das modificações
sofridas em todas as entidades que compõem a Sociedade de Assistência
aos Cegos, nos últimos três anos. O antigo prédio do Instituto dos Cegos
está de portas cerradas, enquanto um complexo de atividades abriu suas
portas para os deficientes físicos visuais da cidade. Os 300 deficientes
atualmente atendidos pelo Instituto dos Cegos dispõem de escola até a
quarta série do primeiro grau, uma clínica para assistência com o que há
de mais moderno no tratamento oftalmológico e um hospital devidamente
equipado para transplante, entre |
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E para quem imagina que os
governos federal ou estadual responda pela implementação do novo sistema de
atendimento ou pela modernização dos serviços, comete um grave erro. Em todas as
áreas de atividades da Sociedade de Assistência aos Cegos, foi implantada a
política da participação e integração de "pessoas amigas e doações", além de
renda própria, que está mantendo todos os trabalhos desenvolvidos pela entidade.
E "ainda sobra dinheiro em caixa para investimentos" - adianta Waldo Pessoa. Os
investimentos demonstram o montante dos recursos da Sociedade. Há três meses, a
Clínica oftalmológica Ieda Otoch Baquit adquiriu os equipamentos mais modernos
do mundo, no tratamento de patologias ópticas.
Além da modernização dos equipamentos, as
mudanças também ocorreram no campo social. "Nós achamos que o instituto dos
Cegos educavam os meninos os quais ao se tomarem adultos, não tinham onde
exercer uma atividade profissional" - explicou Waldo Pessoa. A partir daí, foram
criados grupos de atividades produtivas com o objetivo de profissionalizar o
deficiente visual. Dentro desse projeto, a clientela do Instituto dos Cegos
passou a contar com uma rádio improvisada, que já produziu três locutores que,
atualmente, estão trabalhando nas emissoras Ceará Rádio Clube e Record local. Um
curso de telefonista funciona também de forma ininterrupta, a fim de habilitar
os deficientes visuais.
Além dessas atividades, já foram instaladas duas
fábricas, uma de vassouras e outra de bengalas, onde trabalham os ex-internos do
IC. Nessas duas microempresas atuam 50 deficientes visuais. Serão implantadas
nos próximos meses, mais duas fontes de geração de renda, que pretendem
profissionalizar mais alunos e tomá-los independentes, financeiramente. Um dos
projetos é a montagem de uma oficina para enrolamento de motores e o outro, a
montagem de uma fábrica de pré-moldados. Essas oficinas são instaladas com
recursos da própria Sociedade de Assistência aos Cegos.
Os ventos novos que revitalizaram o Instituto dos
Cegos chegou até a cozinha, na qual trabalham cozinheiras profissionais e
oferece um cardápio único para internos, médicos e funcionários. No café da
manhã, por exemplo, é servido frutas, coalhada, bolo, torradas, ovos, mel,
margarina ou nata. Sem querer falar de dinheiro, nem atribuir a novas conquistas
do Instituto dos Cegos a um milagre, o oftalmologista Waldo Pessoa insiste na
política de participação do povo e o não atrelamento ao Governo como único meio
de administrar uma instituição para atendimento público. "Nós temos vínculo com
o Governo, que nos fornece material humano para a escola e ainda contamos com
alguns funcionários públicos à nossa disposição" - afirmou Waldo Pessoa,
acrescentando que, no entanto, "não temos nenhum vínculo com órgãos específicos
de Assistência Social" - frisou.
A nova experiência desencadeada no Instituto dos
Cegos será o tema da palestra que o Presidente da SAC vai proferir- amanhã para
a Sociedade de Oftalmologia do Pará, em Belém. No encontro, estarão reunidos
técnicos da Secretaria de Saúde e Educação daquele Estado. Na mesma semana, o
médico Waldo Pessoa vai viajar também a Manaus, onde falará para médicos
oftalmologistas sobre sua experiência à frente do IC.
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