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Jornal O POVO
Domingo - 01-03-1998
Fortaleza - Ceará - Brasil
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Camisinha, nova moeda no carnaval ?


Há um verdadeiro festival de "moedas paralelas", atualmente, no Brasil. Falo dos tickets ou vales que circulam fartamente entre nós: vale-transporte, vale-alimentação, ticket-leite e outros... Uma enganação! A perpetuação da dependência do homem graças à manutenção da miséria. Na mesma linha enganosa situa-se a atual campanha de combate à AIDS, durante o carnaval. Ela se apóia na falsa relação de obrigatoriedade entre carnaval e sexo. A coisa tem sido colocada como se o carnaval fosse simplesmente um grande festival de relações sexuais, diante do qual o governo tem de interferir. Não sei o que se passa na cabeça de um adolescente, que vai brincar o carnaval e ouve, em pleno horário nobre de TV, uma notícia de que, 50.000 camisinhas são insuficientes para o carnaval; o numero ótimo seria 150.000 para atender aos foliões? Sinceramente, não consigo entender como se pode chegar a um número de relações sexuais durante um carnaval. Não vejo assim. A atividade sexual não deve ser colocada em primeiro plano, como se as pessoas andassem a praticar sexo a toda hora e em qualquer lugar, somente porque é carnaval.

Foto do Médico Francisco Waldo Pessoa de Almeida Diretor de Saúde da Sociedade de Assistência aos Cegos

Colocada a necessária relação de dependência, a única maneira de evitar a propagação da AIDS seria a distribuição em massa dos preservativos. Em nosso entendimento, esta pseudo-assistência tem o efeito contrário. Ou seja: estimula o sexo irresponsável durante os festejos carnavalescos. Na verdade, em vez de coibir, o que a campanha faz é expandir os excessos, já que os preservativos são entregues, sem nenhum critério, a menores, rapazes e moças que apenas pensavam em brincar, mas agora se vêem estimulados a entrar na "onda", já que só se fala em "sexo seguro".

Não estou minimizando a gravidade do problema da AIDS. Sei que ela é terrivelmente danosa, sexualmente transmissível e se propaga assustadoramente, sobretudo através do ato sexual, e que atinge não só a pessoa que a contrai, como imprime à sua família sofrimento intenso. Todos, dentro de suas possibilidades, deveriam conhecer um hospital de aidéticos, pois a AIDS pega, e pega mesmo. O que contesto aqui, é o fato de combatê-la com a distribuição do preservativo, durante os grandes festejos, em que o governo paga a conta com dinheiro do contribuinte. Há muitas outras formas de combate (educação para um sexo sadio, escolha criteriosa de parceiros, consciência do valor e uso do sexo, etc.). Enfim, o esclarecimento é mais importante que a entrega do preservativo. Prevenir é uma coisa, incentivar é outra. Esta campanha, a pretexto de prevenir, o que de fato está fazendo é incentivar o sexo irresponsável. E tanto é verdade que os promotores nem se preocupam com outro aspecto importantíssimo: a qualidade do produto. O controle não é feito com seriedade. Em alguns casos, são distribuídos artefatos vindos de fabricantes inescrupulosos, que nem são do ramo. Mais uma vez a vítima é o povo ludibriado.

Prevenção, sim. Incentivo, não! O povo deve ser corretamente esclarecido, mas não conduzido a práticas indiscriminadas e abusivas de sexo pois até em nossas novelas, mesmo em horário nobre, se vêem cenas de sexo. Somente assim resgataremos a diversão sadia que é o carnaval e evitaremos este paternalismo exagerado (até no sexo) que tomou conta do Brasil, um remendo que mantém o pano velho em vez de substituí-lo por um pano novo. O povo deveria ter condições de promover sua própria prevenção, comprar seu leite, seu transporte e sua refeição. Camisinhas de boa procedência poderiam ser vendidas através de máquinas fornecidas pelos próprios fabricantes de camisinhas a preços razoáveis. O governo entraria com sua parcela, eliminando os impostos e favorecendo a indústria nacional, podendo então exigir produto realmente de qualidade, dentro das especificações estipuladas pelo Ministério da Saúde. Referidas máquinas funcionariam em farmácias, lugares públicos, postos de combustíveis, banheiros de hotéis, restaurantes etc. Desta maneira, evitaremos o que eu mais temo: o aparecimento de mais uma moeda paralela, que sem dúvida, seria o "vale camisinha".

O médico Francisco Waldo Pessoa de Almeida é Diretor de Saúde da
Sociedade de Assistência aos Cegos


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