Jornal O POVO
Domingo - 01-03-1998
Fortaleza - Ceará - Brasil
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Camisinha, nova moeda no carnaval ?
Há um verdadeiro festival de "moedas paralelas", atualmente, no Brasil. Falo dos tickets ou vales que circulam fartamente entre nós: vale-transporte, vale-alimentação, ticket-leite e outros... Uma enganação! A perpetuação da dependência do homem graças à manutenção da miséria. Na mesma linha enganosa situa-se a atual campanha de combate à AIDS, durante o carnaval. Ela se apóia na falsa relação de obrigatoriedade entre carnaval e sexo. A coisa tem sido colocada como se o carnaval fosse simplesmente um grande festival de relações sexuais, diante do qual o governo tem de interferir. Não sei o que se passa na cabeça de um adolescente, que vai brincar o carnaval e ouve, em pleno horário nobre de TV, uma notícia de que, 50.000 camisinhas são insuficientes para o carnaval; o numero ótimo seria 150.000 para atender aos foliões? Sinceramente, não consigo entender como se pode chegar a um número de relações sexuais durante um carnaval. Não vejo assim. A atividade sexual não deve ser colocada em primeiro plano, como se as pessoas andassem a praticar sexo a toda hora e em qualquer lugar, somente porque é carnaval. |
Colocada a necessária relação de dependência, a única maneira de
evitar a propagação da AIDS seria a distribuição em massa dos preservativos. Em nosso
entendimento, esta pseudo-assistência tem o efeito contrário. Ou seja: estimula o sexo
irresponsável durante os festejos carnavalescos. Na verdade, em vez de coibir, o que a
campanha faz é expandir os excessos, já que os preservativos são entregues, sem nenhum
critério, a menores, rapazes e moças que apenas pensavam em brincar, mas agora se vêem
estimulados a entrar na "onda", já que só se fala em "sexo seguro".
Não estou minimizando a gravidade do problema da AIDS. Sei que ela é terrivelmente
danosa, sexualmente transmissível e se propaga assustadoramente, sobretudo através do
ato sexual, e que atinge não só a pessoa que a contrai, como imprime à sua família
sofrimento intenso. Todos, dentro de suas possibilidades, deveriam conhecer um hospital de
aidéticos, pois a AIDS pega, e pega mesmo. O que contesto aqui, é o fato de combatê-la
com a distribuição do preservativo, durante os grandes festejos, em que o governo paga a
conta com dinheiro do contribuinte. Há muitas outras formas de combate (educação para
um sexo sadio, escolha criteriosa de parceiros, consciência do valor e uso do sexo,
etc.). Enfim, o esclarecimento é mais importante que a entrega do preservativo. Prevenir
é uma coisa, incentivar é outra. Esta campanha, a pretexto de prevenir, o que de fato
está fazendo é incentivar o sexo irresponsável. E tanto é verdade que os promotores
nem se preocupam com outro aspecto importantíssimo: a qualidade do produto. O controle
não é feito com seriedade. Em alguns casos, são distribuídos artefatos vindos de
fabricantes inescrupulosos, que nem são do ramo. Mais uma vez a vítima é o povo
ludibriado.
Prevenção, sim. Incentivo, não! O povo deve ser corretamente esclarecido, mas não
conduzido a práticas indiscriminadas e abusivas de sexo pois até em nossas novelas,
mesmo em horário nobre, se vêem cenas de sexo. Somente assim resgataremos a diversão
sadia que é o carnaval e evitaremos este paternalismo exagerado (até no sexo) que tomou
conta do Brasil, um remendo que mantém o pano velho em vez de substituí-lo por um pano
novo. O povo deveria ter condições de promover sua própria prevenção, comprar seu
leite, seu transporte e sua refeição. Camisinhas de boa procedência poderiam ser
vendidas através de máquinas fornecidas pelos próprios fabricantes de camisinhas a
preços razoáveis. O governo entraria com sua parcela, eliminando os impostos e
favorecendo a indústria nacional, podendo então exigir produto realmente de qualidade,
dentro das especificações estipuladas pelo Ministério da Saúde. Referidas máquinas
funcionariam em farmácias, lugares públicos, postos de combustíveis, banheiros de
hotéis, restaurantes etc. Desta maneira, evitaremos o que eu mais temo: o aparecimento de
mais uma moeda paralela, que sem dúvida, seria o "vale camisinha".
O médico Francisco Waldo Pessoa de Almeida é Diretor de Saúde
da
Sociedade de Assistência aos Cegos
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