Jornal O POVO
Quinta-feira - 25-06-1998
Fortaleza - Ceará - Brasil
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0,2% dos brasileiros têm cegueira noturna
Pessoas portadoras de Retinose Pigmentar (cegueira noturna), depositam esperanças num
tratamento feito em Cuba (Havana). Oftalmologistas brasileiros desaconselham o
procedimento.
De segunda a sexta-feira, Maria Perpétua de Lima Gomes, 50, sai de
casa, no distrito de Catolé - município de Horizonte - às 5 horas, conduzindo os dois
únicos filhos Antônio Carlos, 14, e Francisca Antônia, 9, para a Escola de Primeiro
Grau do Instituto dos Cegos, que fica no bairro da Aldeota, em Fortaleza. Sem nenhuma
fonte de renda (o marido está desempregado), Maria Perpétua e as crianças viajam de
ônibus com as passagens pagas pela Fundação Tereza Nunes (de Horizonte) e o Instituto
dos Cegos. Francisca Antônia e Antônio Carlos estão perdendo a visão, assim como
outras 11 crianças seus colegas de escola, portadores de Retinose Pigmentar, uma doença
hereditária e degenerativa que pode levar à cegueira.
Além dessas 11 crianças, há muitos adultos cearenses que têm a chamada cegueira
noturna. No Brasil não existem estatísticas, mas calcula-se que 0,2% da população seja
portador da doença. No mundo, para cada grupo de duas a três mil pessoas, uma tem
Retinose Pigmentar. Nos EUA e na Índia, existem pelo menos três milhões de doentes.
Os cearenses portadores da doença mantêm uma esperança: conseguir recursos para
submeter-se a uma cirurgia e ao tratamento no Centro Internacional Camilo Cienfuegos, em
Havana (Cuba). Pelo menos é o que espera Maria da Paz de Oliveira Silva, 26. Há um mês
ela iniciou campanha para arrecadar dinheiro e está confiante de, pelo menos, manter os
cerca de 10% de visão periférica que ainda lhe resta. "Essa cirurgia faz com que a
doença estacione e custa entre R$ 15 a 18 mil incluindo acompanhante, hospedagem e
exames. A permanência em Cuba é de 20 a 30 dias. Lá é o único local, no mundo, onde
existe a cirurgia", informa.
Maria da Paz, que trabalha no setor administrativo do Plano de Saú© de dos Ferroviários
(Sesef), lembra que ficou sabendo da doença há quatro anos."A gente começa a
esbarrar em objetos a ter dificuldades de sair à noite. Uma vez, vinha de bicicleta e
atropelei meu marido porque não o vi. Até hoje ele tem seqüelas no braço", conta.
O psiquiatra Valton Miranda - que tem mais quatro irmãos portadores da doença - foi um
dos que se submeteram a essa cirurgia no ano passado. Diz que a intevenção é demorada,
feita com anestesia geral. Ele tem 10% de visão periférica.
"O objetivo é estacionar a doença (degeneração da retina)", garante o
aposentado Walter dos Santos, que também se tratou em Cuba, onde gastou US$ 9 mil. Foi
duas vezes em 1985 e 1987. Tem um campo visual de 8 a 10%. Já a orientadora educacional
Terezinha de Freitas diz que começou a tratar do problema com homeoapatia e até
acupuntura em 1972. No ano passado, submeteu-se à cirurgia em Cuba. Afirma que a visão
melhorou e está em torno de 28%.
Médicos desaconselham cirurgia
O oftalmologista Abelardo Targino, especialista em doenças da retina, diz que existe uma
recomendação da Sociedade Brasileira de Retina e Vítreo para que os profissionais da
área desaconselhem a cirurgia e tratamento feito em Cuba. Houve até um documento, nesse
sentido, divulgado pelo presidente da entidade, Nehem, no Congresso Norte e Nordeste de
Oftalmologia, realizado em Fortaleza no início deste mês.
"A doença é irreversível. Quem vai para Cuba vai só gastar dinheiro. Os
tratamentos não apresentam melhoras". A declaração é do médico Antônio Praça,
do Serviço de Oftalmologia do Hospital Geral de Fortaleza (HGF). Lembra que muitos foram
buscar tratamento na antiga Rússia e não obtiveram êxito. O mesmo diz o diretor
clínico do Instituto dos Cegos, Valdo Pessoa. "O que fazem não tem base
científica", acrescenta.
O presidente da Associação de Apoio aos Portadores de Retinose Pigmentar, Reynaldo
Ribeiro Braga, 44, diz que 70% das pessoas que fazem a cirurgia melhoram o campo visual.
"Na pior das hipóteses, estaciona a doemça". Segundo Reynaldo, a entidade tem
conseguido, através de ações na Justiça, que o Ministério da Saúde pague o
tratamento de portadores em Cuba. "Todos os que solicitaram através da associação,
obtiveram êxito. "Somos voluntários e o nosso trabalho é de orientação às
pessoas", acrescentou.