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Segunda-feira - 19-07-1999

Fortaleza - Ceará - Brasil
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Projeto obriga restaurantes a terem cardápio em braile


Cardápio em braile em todos os restaurantes de Fortaleza. A proposta é do vereador Augusto Gonçalves, que estabelece até multa para quem descumprir a lei direcionada aos portadores de deficiência visual.

Mais uma proposta que, se aprovada, poderá não sair do papel. Encontra-se nas comissões técnicas da Câmara Municipal de Fortaleza um projeto de lei do vereador Augusto Gonçalves (PCdoB) determinando que todos os restaurantes de Fortaleza forneçam cardápio com o código braile para atender os portadores de deficiência visual. "O projeto tem por objetivo diminuir a dependência a que o deficiente visual é submetido. Esta iniciativa procura garantir o direito constitucional de livre acesso à informação", justifica o vereador.

Se o projeto fosse aprovado e a lei posta em prática, todos os restaurantes da capital teriam de disponibilizar cardápio no alfabeto braile. O descumprimento da lei implicaria multa de 100 Unidades Fiscais de Referência (UFIRs), o equivalente a aproximadamente R$ 97,00. Em caso de reincidência, os restaurantes teriam de pagar o dobro desse valor. Santo André, região do ABCD paulista, e Salvador, capital da Bahia, são exemplos de cidades que já aprovaram projeto semelhante à proposta do vereador Augusto Gonçalves.

A fiscalização no cumprimento da lei, exigindo dos estabelecimentos o fornecimento do cardápio, é a prioridade depois da aprovação do projeto, avaliam os portadores de deficiência visual e as pessoas engajadas no acompanhamento deles. "O cumprimento da lei fica muito à mercê da educação e do compromisso social dos empresários porque pensam logo que é uma clientela muito pequena", analisa a presidente da Sociedade de Assistência aos Cegos no Ceará, Josélia Sá de Almeida.

O presidente do Sindicato de Hotéis, Restaurantes, Bares e similares de Fortaleza, Henrique Alcântara, faz ressalvas à proposta. "O deficiente visual deve ter o mesmo direito de qualquer um. Mas quando ele sai, geralmente é acompanhado. Não existe, portanto, mercado para isso. Nenhum cego vai sozinho a um restaurante". Alcântara também critica a determinação de multa aos estabelecimentos que descumprirem a lei e defende que a oferta do cardápio seja "opcional".

O autor da proposta considera que a reação contrária dos proprietários dos estabelecimentos é previsível. "Eles querem que só o poder público tenha a obrigação. Só querem ter lucro e gasto nenhum. O projeto é importante porque vai prestigiar o deficiente visual. Ninguém pode deixar esse grupo de pessoas totalmente hostilizado", rebate Augusto Gonçalves. O projeto de lei deverá ser submetido à apreciação do plenário da Câmara no reinício dos trabalhos legislativos, em agosto.

Lei é descumprida em SP

O cardápio em braile para restaurantes, lanchonetes, bares, hotéis e motéis passou a ser exigido em Santo André (SP) a partir de outubro de 1997. Quase dois anos antes, em novembro de 1995, um projeto semelhante foi sancionado em Salvador (BA). Mas segundo o presidente do Sindicato de Hotéis, Restaurantes e Bares de Salvador, Luís Carrera, os estabelecimentos da capital não oferecem o cardápio. O vereador de Santo André, Luiz Zacarias (PTB), autor da proposta, também informou que a lei ainda não foi regulamentada na cidade.

Carrera qualifica a proposta de "demagógica" e argumenta que a confecção de cardápios em braile implicaria custos elevados para atender um público muito reduzido. "Estou no ramo há 29 anos e até hoje atendi apenas um cliente cego, sempre acompanhado da filha". O presidente do sindicato argumenta ainda que o cumprimento da lei é inviável devido à necessidade de serem renovados os cardápios.

Limitações com o garçom

A disponibilização de cardápios em braile em Fortaleza facilitaria o acesso de Carlizeth da Silva aos restaurantes da cidade. "A idéia é muito boa. Nos limitamos a ouvir as informações do garçom. Com a lei, passaremos a ter um acesso mais abrangente, inclusive aos preços", observa. Carlizeth justifica que não freqüenta sozinha lojas e restaurantes devido às dificuldades de identificar o preço e a localização dos produtos.

Portadora de necessidades visuais desde criança, Carlizeth descobriu o código braile em 1985. Hoje, com 25 anos, ela trabalha no Instituto dos Cegos do Ceará como revisora de textos em braile, além de estudar inglês no local por meio do código. "No instituto, tenho acesso a livros, jornais e revistas, tudo em braile. Antes, eu não tinha noção de escrita e leitura. Depois que mergulhei nesse mundo, facilitou muito a minha vida", ressalta.

Uma exceção, a rede mundial de fast-food McDonald's disponibiliza em todas as lojas cardápios em braile.

Marketing empresaria

Uma questão de marketing empresarial, visão empreendedora e sintonia com a defesa da cidadania. É assim que o coordenador da imprensa braile do Senado Federal, Paulo Brandão, define a disposição dos proprietários de hotéis, bares e restaurantes em disponibilizar cardápios em braile. Ele é portador de deficiência visual total e congênita.

"À proporção que os proprietários sinalizam que se preocupam com uma minoria, cresce sua imagem em termos institucionais perante a maioria. Os custos são irrisórios", avalia Paulo, também consultor em sistema braile para empresas. Segundo Paulo, os custos com a confecção de um cardápio em braile deve variar de R$ 15,00 a R$ 30,00.

Paulo, 34, foi o idealizador da imprensa braile do Senado e trabalha no local desde a sua fundação, em 29 junho de 1998. A imprensa já publicou em braile cerca de 15 títulos, entre eles a Constituição Federal, Estatuto da Criança e do Adolescente, Lei de Doação de Órgãos e o Código de Defesa do Consumidor.

Dicionário

Braile - Técnica que permite ao portador de deficiência visual a leitura por meio do contato dos dedos com pequenos pontos em relevo, que correspondem a letras. São seis pontos básicos que formam 63 combinações diferentes. A técnica ficou pronta em 1824 e sua primeira edição foi publicada cinco anos depois. No Brasil, começou a ser adotada em 1856. O método braile foi inventado pelo pianista francês Louis Braille, que perdeu a visão aos cinco anos de idade.


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