TRANSCRIÇÃO DE LIVRO
O valioso texto abaixo foi retirado do livro:
DOENÇAS DA MÁCULA
de Pedro Paulo Bonomo e Sérgio L. Cunha
Retinose Pigmentar
Cristiane Menezes Campagna
Retinose pigmentar é uma doença degenerativa
primária da retina comprometendo inicialmente os fotorreceptores periféricos.
Atransmissão genética da retinose pigmentar é muito variável
podendo ser autossômica recessiva, dominante ou ligada ao sexo. Segundo François, 20%
dos casos são autossômicos dominantes, 37% são autossômicos recessivos, 4% são
ligados ao sexo e os restantes 39% aparecem esporadicamente sem história familiar.
Uma associação incomum entre retinose pigmentar e vasculopatia
exsudativa tipo doença de Coats, tem sido descrita em 14 casos na literatura.
Vários autores especulam a partir daí, que haja uma degeneração
primária envolvendo os vasos retinianos, axônios, fotorreceptores e epitélio pigmentar.
Assim procuram enquadrar a doença de Coats também como doença hereditária.
Fogle e cols, no entanto, comentam que a associação Coats-retinose
pigmentar sugere uma tendência hereditária para a vasculopatia associada ou secundária
à retinose pigmentar. Os casos de retinopatia exsudativa secundária são geralmente
bilaterais, ocorrem em adultos sem predileção por sexo e são morfologicamente
diferentes da doença de Coas.
Fogle e cols, demonstraram que pelo menos em alguns casos a
neovascularização periférica de coróide com extensão através da retina pode simular
vasos telangiectásicos e originar exudação sub-retiniana.
Foi demonstrado que os vasos, que estavam na retina, eram
proliferações vasculares de origem na coróide. Os resultados de estudos
histopatológicos mostraram rupturas na membrana de Bruch ao lado de retinopatia pigmentar
avançada.
Tais achados confirmaram a hipótese de neovascularização adquirida e
não de uma vasculopatia congênita.
Para explicar os 14 casos de associação Coats-retinose pigmentar foi
lançada a hipótese de que vasos retinianos que alimentam uma área de telangiectasia
tornam-se atrésicos e anastomoses secundárias desenvolvem-se entre a circulação da
coróide e as telangiectasias retinianas.
Até o momento só podemos assumir que a retinose pigmentar pode estar
associada a vasculopatias exsudativas de múltiplas causas, sendo inclusive uma delas a
neovascularização sub-retiniana. No entanto, temos também que considerar a
probabilidade de que tal associação, seja apenas coincidência.
As tentativas de tratamento de vasculopatia exsudativa na retinose
pigmentar com criocoagulação ou fotocoagulação tem conduzido a resultados
decepcionantes.
Leopoldo Pacini
Herança
Apesar das incrustações atávicas a que esta patologia e suas
variantes estão sujeitas, há também os casos, cuja hereditariedade não foi constatada.
A multiplicidade e a diversidade das manifestações familiares obrigou
a introdução da idéia de variação fenotípica que se desdobra da seguinte maneira:
Penetrância - Indica a frequência da manifestação
clínica de um gene mutante. O gene forte está presente com cena constância, enquanto o
gene fraco se manifesta fenotipicamente em um pequeno número de casos.
Expressividade - Visa indicar o grau das
manifestações clínicas. Surgem daí formas frustras que comumente escapam ao exame de
rotina, alternando com formas mais extensas que não oferecem dificuldades quanto à sua
detecção.
Variabilidade fenotípica - Genes alelos são
responsáveis pela transmissão recessiva. Na transmissão dominante, o gene patológico
é mais ou menos coberto por um gene alelo normal, o que explica, em pane, as
consideráveis variações intra e interfamiliares.
Deutman, revisando a literatura sobre este tema, reuniu os principais
trabalhos estatísticos de transmissão genética desta distrofia, cujos dados julgamos
ser de interesse registrá-los (ver Tabela 7.2).
Deutman assinala em suas conclusões que as importantes diferenças
existentes entre os valores encontrados em diversas escolas deve-se ao interesse
específico e à motivação do investigador.
Este mesmo pesquisador acha que a classificação com base nos
postulados da genética é absolutamente necessária. A nosso ver, apesar de não atender
a complexidade deste tronco patológico, facilita sobremaneira a conduta médica, seja com
o objetivo de prognostica-la seja para estabelecer um aconselhamento genético confiável:
- Autossômica recessiva
- Autossômica recessiva ligada ao sexo
- Amaurose congênita de Leber
- Autossômica dominante com amaurose precoce
- Autossômica dominante tardia
A frequência do gene da retinopatia pigmentar primária, está
presente na população geral americana em 1% dos indivíduos. Esta afirmação, se
verdadeira para outras regiões do mundo, é extremamente importante na organização do
plano de aconselhamento. Um indivíduo com um gene recessivo ou isolado tem,
aproximadamente, a mesma chance de encontrar uma mulher portadora da mesma situação
genética. Torna-se, portanto razoável preveni-la e que a chance de ter uma criança
afetada é menor do que 1 para 100.
Achados fundoscópicos
Histologicamente, a retina e a coróide se dividem em várias camadas.
Diante da fisiopatologia estas perdem a individualidade histológica para assumir a forma
de um complexo indissociado. Daí a dificuldade em se estabelecer uma conclusão
definitiva quanto à topografia inicial da retinose pigmentar primária.
É conhecido que esta patologia em sua fase mais inicial lesa a camada
mais externa da retina envolvendo os bastonetes e, posteriormente, os cones. Alguns
patologistas sugerem que o epitélio pigmentar e a coriocapilar são envolvidos
secundariamente. Este é um assunto ainda muito polêmico.
Habitualmente, os casos que chegam à um estudo histológico, são tão
evoluídos, que as alterações envolvidas mutilam muito as estruturas descaracterizando
por completo a região. Estas informações histopatológicas ainda que fragmentadas
sugerem quase uma contemporaneidade nos sofrimentos dos fotorreceptores e das células
epiteliais.
A fundoscopia clássica descreve apenas as manifestações
abiotróficas da distrofia, tais como a migração dos pigmentos para as camadas mais
superficiais da retina neurossensorial, a esclerose dos vasos da coróide, a palidez
papilar, as alterações na interface vitreorretiniana, etc.
A retinose pigmentar em sua fase inicial quase não apresenta
hiperplasia dos pigmentos. Tentou-se considerar este estádio com uma variação
fenotípica, dando-lhe a denominação de retinose pigmentar primária
"paucipigmentar". Entretanto, verificou-se, mais tarde, que nestes casos o
acúmulo de pigmentos aumentava com a progressão da doença. A nosso ver, este termo deve
ser definitivamente abandonado.
A pigmentação, habitualmente, localiza-se no equador do globo ocular,
preservando, pelo menos durante algum tempo, o pólo posterior. Mais tarde, esta área da
retina sadia é substituida por uma descoloração das células epiteliais. O reflexo da
limitante interna da retina, também, reduz-se nesta fase.
O agrupamento dos pigmentos é variado. Na forma típica da doença,
estes assumem uma disposição a maneira de osteoblastos. Na forma atípica, os pigmentos
se agrupam em bloco, em padrão mosaico ou em pequenos pontos.
Tabela 7.2
Casos esporádicos | Autossômico recessivo | Autossômico dominante | Recessivo ligado ao sexo | |
François | 39% | 37% | 19,5% | 4,5% |
Voipio | 39% | 37% | 19,5% | 4,5% |
Anerrnan e cals. | - | 90% | 0,9% | 1,0% |
Panteleeva | 41,7% | 27,9% | 12,7% | 1,1% |
Jay | 21% | 15% | 39% | 25% |
A esclerose coriocapilarquando atinge o pólo
posterior, permite a visão dos grandes vasos da coróide como na esclerose centroareolar.
A papila óptica pode estar normal na fase mais precoce da patologia.
Na fase tardia predomina o empalidecimento, culminando com um aspecto céreo, adjunto
freqüente no quadro clássico das retinopatias evoluídas.
A mácula pode estar normal ou atingida. Os desgastes abiotróficos nem
sempre estão ligados a etariedade da doença. Não é raro encontrar um edema
microcistóideo da mácula na fase inicial ou média desta entidade. Tal fato é devido à
deficiência dos capilares retinianos que perderam a força de suas junções
intercelulares no nível endotelial. Já em outros pacientes, as células gliais perdem o
seu equilíbrio e começam proliferar desordenadamente criando, na superfície da retina,
as membranas epirretinianas. A fagocitose dos pigmentos pelos macrófagos confere a esta
membrana acoloração escura. A retração desta membrana, gerando buraco macular é mais
rara. Sabe-se que o vítreo, na maioria das vezes, liquefaz e descola-se da retina bem no
início da doença. Por isso a interface vitreorretiniana quase não sofre trações.
O buraco lamelar, por outro lado, pode aparecer após a coalescência
dos vários pseudocistos maculares. O pseudoburaco macular é uma falsa impressão criada
pela membrana que envolve todo o pólo posterior, exceto a área foveolar.
Os vasos retinianos sofrem um processo de afilamento. A diminuição do
calibre vascular é atribuída á presença de toxinas oriundas das células epiteliais
doentes, da inatividade retiniana tendo como conseqüência menordemanda de sangue, da
proliferação glial e, por fim, da penetração dos pigmentos nas camadas mais internas
da retina por onde passam os vasos sangüíneos.
As retinoses pigmentares podem também apresentar neoformação
vascular com exsudatos à maneira de uma resposta tipo Coats. São áreas isquêmicas que,
à semelhança de outras vasculopatias isquemiantes, estimula a pequena porém desordenada
proliferação dos vasos.
Função visual
A retinose pigmentar primária assim como todas as patologias
coriorretinianas atingem a função visual cuja importância varia de acordo com a
localização das lesões e da extensão em lateralidade do processo.
A sua avaliação comporta a medida da acuidade visual central, da
visão cromática, da campimetria, da adaptometria e, finalmente, da indispensável
eletrofisiologia ocular.
Acuidade visual
Medir a acuidade visual central é uma maneira um tanto incompleta de
se ter uma idéia da função macular. O prognóstico com base neste teste é impossível
de se fazer. Como já foi discutido, mesmo em condições graves da doença como no campo
visual tubular, a visão poderá estar normal. Contrariamente, o seu comprometimento é
sério nas associações com membranas epirretinianas, nos edemas microcistóideos da
mácula ou nos casos de catarata subcapsular tão comuns nesta patologia. Nem sempre a
baixa de visão corresponde a um estádio evoluído da doença.
Visão cromática
Como já foi ressaltado no texto sobre eletrofisiologia ocular, a
dualidade funcional da retina deve-se aos dois sistemas, o de cones ou fotópico e o de
bastonetes ou escotópico. A adaptometria permite conhecer melhor este achado objetivo
através de uma curva bifásica, em que o primeiro segmento está relacionado com a visão
fotópica colorida, e o segundo com a visão escotópica acromática. Na fóvea
encontra-se somente o primeiro segmento dentro dos l0° de excentricidade.
O olho humano percebe a faixa de cores de comprimento de onda que vai
de 380 a 760nm (nanômetros). O objeto que reflete todas as cores é branco; aquele que
absorve todas as cores é preto; o objeto que permite passar através dele todos os
comprimentos de onda é transparente; e por fim, aquele que reflete um segmento apenas da
faixa espectral, tem a cor da luz refletida.
O estímulo luminoso colorido possui três atributos que lhe conferem a
sua característica física: luminância, comprimento de onda dominante e pureza. Cada
atributo, obviamente, modifica a interpretação da cor.
Luminância
Este atributo refere-se à quantidade de luz vinda do objeto.
Comprimento de onda dominante
O comprimento de onda dominante é a cor do estímulo que predomina em
um determinado segmento do espectro luminoso.
Pureza
Este atributo define o grau do comprimento de onda dominante em um
determinado estímulo luminoso. Quanto maior a pureza, tanto mais saturado é o estímulo.
Isto é fácil compreender ao se adicionar um corante em um líquido. A solução vai
modificando a sua cor á medida que o pigmento é dissolvido. No momento em que a cor da
solução permanece inalterada, à despeito da adição de mais pigmento, é chegado o seu
ponto de saturação.
O homem com visão cromática normal é capaz de perceber cerca de 200
matizes diferentes. Isto poderia levara uma conclusão errônea e absurda de que a retina
tivesse 200 diferentes tipos de células especializadas.
As bases neuroanatômicas da visão colorida se baseia sobre três
diferentes cones: sensíveis ao vermelho, ao verde e ao azul, respectivamente. Cada cone
depassa em muito ao qualitativo que lhe é atribuído.
As três diferentes cores captadas pelo seu fotorreceptor respectivo,
são em seguida codificadas nas células ganglionares em três duplas antagónicas: o
vermelho-verde, o azul-amarelo (o amarelo é a adição do vermelho com o verde) e, por
fim, o par acromático de luminosidade claro-escuro. Cada célula ganglionar recebe
informações de vários cones de classes diferentes, constituindo o seu campo receptor.
Graças a esta possibilidade, várias combinações são possíveis, sendo que as mais
freqüentes são aquelas cujas células ganglionares, recebem mensagens antagonistas, ou
seja, de pontos opostos, como por exemplo, dos cones vermelhos e dos cones verdes. Outras
mensagens podem ser vindas de cones azuis opondo à somação dos cones vermelhos e dos
cones verdes. Os cones do par acromático têm a sua resposta sempre com o mesmo sinal,
ora como excitação, ora como inibição, sem levar em conta a cor do estímulo.
Os sinais assim codificados nas células ganglionares, ganham o corpo
geniculado lateral através das fibras de condução lenta do nervo óptico e daí, segue
para o córtex occipital onde finaliza a sua transmissão.
É fácil agora entender que não há filiação direta da realidade
física na composição espectral da luz e a sensação colorida. Esta última é obra de
uma reconstrução cerebral a partir de diferentes mensagens de intensidade luminosa.
O olho humano normal pode, desta forma combinar as três cores
primárias em diferentes proporções, criando agora condições de sensibilizar-se em
cerca de 200 matizes ou cores diferentes. Esta é a visão tricromática normal.
A visão cromática patológica agrupa os casos em que uma determinada
cor é percebida de forma incompleta (anomalia) e, também, os casos em que a cor não é
percebida (anopia). Os primeiros são tricromatas anormais e os segundos, dicromatas. Os
denominados monocromatas são aqueles em que todo o sistema de cores está alterado. Eles
se desdobram em monocromatas a bastonetes, quando há uma deficiência funcional completa
dos cones e os monocromatas a cones, mais raro, são aqueles cujo defeito é de
transmissão da retina ao córtex occipital.
Vários são os testes para denunciar a discromatopsia. Dentre eles os
mais conhecidos são: as placas pseudoisocromáticas, os testes de discriminação de
matizes Famsworth de 15 e de 100 piões e os anomaloscópios.
O teste de discriminação de Farnsworth denuncia sempre uma
discromatopsia do eixo azul-amarelo nas retinopatias pigmentares primárias com
comprometimento macular.
Os anomaloscópios confirmam estes achados, quantificando-o o que não
seria possível com os outros métodos. A equação metamérica é uma prova de
equalização, cujo princípio é induzir no paciente a mesma sensação colorida à
partir de estímulos fisicamente diferentes. De um lado da equação ficam duas cores
monocromáticas primárias (A e B) e do outro lado, uma terceira cor monocromática,
também primária (C), qualitativamente localizada entre as duas primeiras. A cor de
comparação (C) é invariável. Ela deve ser ligeiramentedessaturada para tonalidades
menores de 540nm, através da adição do cinza ou da sua cor complementar (D), a fim de
que a equalização seja possível.
Destas equações, duas informações são apresen tadas:
Tamanho de zona de equalização - Ela é pequena nas
formas normais e pode-se alargar além dos limites da normalidade, traduzindo uma
diminuição da sensibilidade diferencial para as tonalidades.
Posição da zona de equalização - O deslocamento do
ponto médio de equalização, estatisticamente considerados como normal, indica uma
alteração no qualitativo entre as duas cores utilizadas. Ela é deslocada para o lado
dos cones alterados e do pigmento fotossensível anormal ou ausente.
São duas as equações mais utilizadas: a vermelho verde proposta por
Raygleigh presente no anomaloscópio de Nagel; e o azul-amarelo de Moreland que testa a
dupla antagonista azul-amarelo.
A retinose pigmentar primária com participação macular, o edema
macular de diferentes etiologias e a retinopatia diabética, fazem parte das
discromatopsias adquiridas dentro do eixo azul-amarelo. A equação de Raygleigh é no
início normal e torna-se pseudoprotanomalia num estádio mais avançado. A equação de
Moreland nos estádios mais precoces desloca-se em direção ao azul (pseudotritanopsia) e
alarga-se em um estádio mais avançado.
O deslocamento do ponto médio sugere uma disfunção macular. O
alargamento da equação metamérica sem deslocamento sugere patologia de papila ou de
nervo óptico.
Adaptometria
A cegueira noturna é o reclamo clássico dos pacientes acometidos
desse mal. A adaptometria mostra valores elevados no limiar da excitação dos
fotorreceptores tanto na curva fotópica quanto na curva escotópica. A adaptação ao
escuro é habitualmente mais sensível na área macular do que na região entre 15 e 20°
do ponto de fixação nas pessoas normais. Esta sensibilidade invertida, conhecida como
perfil invertido, é uma característica da retinose pigmentar na fase precoce.
Fotos retiradas do livro:
Clinical Ophthalmology de Jack J. Kanski
Retinose Pigmentar Inicial |
|
Retinose Pigmentar Intermediária |
|
Retinose Pigmentar Avançada |
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