SOCIEDADE DE ASSISTÊNCIA AOS CEGOS
60 ANOS
Ensinando a Ver o Mundo
Blanchard Girão
Páginas: 160-164
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COMO SER PROFESSOR DE CEGOS
Não basta a graduação, nem
pós-graduação, sequer doutorado em Pedagogia para alguém se tornar professor de um
deficiente visual. Trata-se de uma metodologia altamente especializada, exigindo
conhecimentos peculiares, que um mestre comum não possui. Desde os primeiros momentos de
atividade, com Esmeraldino e seus companheiros, sentiu-se a gravidade desse problema da
carência muito acentuada de professores capacitados a essa didática específica para a
escolarização de uma pessoa cega. A participação do Estado supriu por algum tempo, e
razoavelmente dentro da realidade vivida, esse vazio. Mas o Instituto dos Cegos e outras
escolas que se dedicavam a esse grupamento de deficientes precisavam cada vez mais de
profissionais habilitados.
O Curso de Formação de Professores Especializados no Ensino do
Deficiente Visual representa, sem dúvida alguma, o grande passo que o Instituto dos Cegos
Dr. Hélio Góes empreendeu para dotar a rede escolar do Estado, pública e privada, de
mestres habilitados para essa função. Contou a princípio com a colaboração do
Instituto Benjamin Constant, do Rio, do qual vieram os docentes responsáveis pela
estruturação do currículo e monitoramento das primeiras turmas de alunos.
Em poucos meses, já estavam qualificados alguns desses alunos,
seguindo-se conseqüentemente uma multiplicação de professores capacitados.
Reconhecido pelo Conselho Estadual de Educação, o Curso de
Formação do Instituto dos Cegos mantém-se em constante funcionamento, permitindo desse
modo o aumento do número de mestres para o setor.
O curso processa-se em 472 horas/aulas, envolvendo um amplo leque
de matérias essenciais à orientação do aluno destituído da visão. Para seu
cumprimento, exige uma equipe multidisciplinar encarregada dos numerosos itens
curriculares, a começar pela codificação Braille, a metodologia do ensino em Braille,
psicologia, didática geral e especial, orientação e mobilização, trabalhos manuais,
matemática (com o método Sorobã), educação artística (música, canto, teatro, etc),
ensino profissionalizante, esportes e outros.
O ENSINO
Superada a falta de
professores, o Instituto dos Cegos pode presentemente assegurar um excelente padrão
escolar aos deficientes matriculados. A propósito, vale descer a detalhes da complexidade
dessa aprendizagem, felizmente já disseminada em alguns estabelecimentos da capital
cearense e em cidades do interior, graças ao pioneirismo do Instituto dos Cegos Dr.
Hélio Góes.
O ponto de partida para o ensino do deficiente visual situa-se no
exame oftalmológico a que é indispensavelmente submetido, a fim de ser detectada a
patologia que o atinge. Ocorre, algumas vezes, que esse problema visual está associado a
outras disfunções orgânicas, tornando o quadro do paciente ainda mais difícil no
tocante ao seu encaminhamento para a escolarização.
A equipe multidisciplinar do Instituto encarrega-se de todo o
processamento desse estudo preliminar até o diagnóstico. Com este, a direção
pedagógica submete o candidato a uma observação necessária ao mais adequado nível de
ensino a lhe ser ministrado. Conforme cada caso, o candidato poderá ser destinado às
classes polivalentes para adaptação à metodologia especial ou, aos portadores de
cegueira adquirida, a um programa de readaptação à sua nova realidade de vida.
Esse trabalho seletivo ocorre individualmente ou em grupos,
conforme as condições físicas e psíquicas do matriculado.
Crianças com cegueira congênita são acolhidas nas turmas de
principiantes (incluindo jardins I e II, em atendimento à faixa etária de cada um) e
para estes a sistematização do ensino próprio é assimilada com bastante presteza. Mas
existem alunos adultos, alguns idosos com até ou mesmo mais de 70 anos, muitos dos quais
cegaram já depois de jovens ou já na velhice. Para estes, o encaminhamento é para as
turmas de readaptação, onde não ocorre a mesma facilidade verificada entre os cegos de
nascença.
O currículo não difere em essência do seguido nas escolas para
alunos videntes e tem a mesma validade, porquanto o Instituto obteve sua equiparação
como estabelecimento de Ensino Fundamental junto ao Conselho Estadual de Educação.
Existe também um terceiro segmento de alunos do Instituto,
englobando aquelas crianças de visão subnormal, isto é, não portadoras da visão
plena, porém parcialmente cegas. Neste ponto, a Diretora Pedagógica atual do Instituto,
Dra. Luíza de Marilac Carvalho de Almeida, observa que ultimamente tem crescido o número
de crianças com deficiência visual, vítimas, segundo ela, geralmente de tentativas
frustradas de abortos, causa de graves patologias.
Esses alunos de visão subnormal reclamam um acompanhamento
individualizado, cada um merecendo atenção própria, consentânea com o grau de seu
problema. Não sendo usuárias do sistema Braille, precisam, todavia, de instrumentos
óticos que ampliem sua capacidade de enxergar, para o que se aplica individualmente um
tipo de letra para sua leitura, de acordo com o grau de relatividade visual.
Somente professores perfeitamente qualificados poderão dar a
necessária assistência a esse grupo de deficientes visuais.
Os alunos de visão subnormal estudam em caracteres em negro, ou
seja, em escrita comum, demonstrando, assinale-se, elevado nível de receptividade.
SALAS DE ACELERAÇÃO
Realmente, depara-se com uma
imensa complexidade no ensino do deficiente visual. E isto é natural, mas não
intransponível. Há muitas dessas pessoas assistidas que, por múltiplas razões,
atrasaram-se em seus estudos. Para melhor atendê-las o Instituto dos Cegos mantém as
turmas de aceleração, abrigando aqueles que saíram da faixa etária a que pertencem, ou
alguns outros que encontram dificuldades maiores no aprendizado.
Para eles, de modo a não se sentirem inferiorizados, existem as
turmas de Aceleração 1 para alunos da 3a. série e Aceleração 2 para os da 4a. série.
O rendimento observado justifica a sua separação dos demais,
geralmente crianças dentro da idade própria para a escolarização.
O TERROR DA MATEMÁTICA
Como em qualquer sala de aula
regular, a Matemática é matéria que aterroriza os alunos. Os deficientes, naturalmente,
encontrariam ainda maiores dificuldades para dominá-la, não fora a sistemática do
Sorobã. Valendo-se desse método, os alunos cegos enfrentam com galhardia a temível
cadeira. E assim vários deles já alcançaram a Universidade em cursos que exigem
sobremodo o conhecimento matemático, como Engenharia, Ciências Contábeis, Agronomia,
dentre outros.
O Sorobã é um instrumento que permite o acesso à Matemática
através do tato. O aprendizado faz-se nas pontas dos dedos. Em que consiste o Sorobã? É
um avanço em relação ao Cubarítimo, uma caixa com uma grande faixa de metal em sua
parte superior, aí encaixados os cubos com os quais se efetuavam as operações. O
Cubarítimo foi longamente utilizado, não obstante alguns embaraços na sua
manipulação, como a morosidade operacional pela demora na identificação dos sinais e
no encaixe dos cubos, que conduziam a alterações dos resultados durante o manuseio, às
vezes inutilizando por completo trabalhos bastante adiantados.
Os chineses foram precursores dessa sistemática denominada
Sorobã, que, por sua objetividade, logo propagou-se ao Japão e daí para o resto do
mundo. Isto há séculos, conforme informa o professor Kambei Moori, em livro escrito no
remoto ano de 1662, chamando o aparelho de "Embrião do Sorobã". Seu nome
original, em chinês, berço de sua origem, é "Suan Pan", que significa contador.
Esta denominação Sorobã é japonesa, chegando ao Brasil com os primeiros migrantes
nipônicos, em princípio do século passado. O Sorobã ainda agora é usado na Rússia,
sob a denominação de "Stchoty", competindo com as máquinas
registradoras em operações de pequenos comerciantes. Nos Estados Unidos chama-se "Abacus",
somente utilizado no ensino de cálculos a pessoas com deficiência visual.
Até meados do Século XX, mais precisamente depois da Segunda
Guerra Mundial, os aparelhos de Sorobã possuíam em cada uma de suas hastes 7 bolas,
perdendo, no seu processo evolutivo, uma dessas bolas na parte superior e uma na parte
inferior.
O modelo em uso no Instituto dos Cegos Dr. Hélio Góes é do
tipo japonês com 21 eixos, sendo os do andar superior com valor de 5 (cinco) e o do
inferior valendo cada bola 1 ponto na primeira coluna reservada às unidades, crescendo
para o grupo das dezenas na segunda coluna, de centenas na terceira e de milhares na
quarta. Manipulando-se as bolas de valor 1 com as de valor 5 e movimentando-as da esquerda
para a direita vão se efetuando os cálculos para somar, invertendo-se a ordem das bolas
para as contas de subtração. Com esse jogo de bolinhas, bem simples, vão alcançando as
operações mais complexas nos cálculos elementares, chegando a realizar raízes
quadradas.
Com o Sorobã, o deficiente visual penetra firme no mundo
infinitesimal da Matemática. Dominando-a, conquista as posições profissionais que mais
exigem o domínio dessa ciência.
DISTRIBUIÇÃO DO ALUNADO
Convém ressaltar que o
Instituto dos Cegos Dr. Hélio Góes tem suas portas abertas a todo e qualquer deficiente
visual, e não apenas àqueles assistidos pela Sociedade de Assistência aos Cegos,
entidade mantenedora.
Como decorrência dessa política, o número de matriculados tem
crescido sobremaneira nos últimos anos. Eram 72 em 1997, passando a 106 em 1998, a 136 em
1999, a 142 em 2000, 154 em 2001 e nos dias atuais são 157 alunos distribuídos em mais
de vinte turmas, incluindo as de aceleração.
Os resultados escolares são animadores, constatando-se o
ingresso de muitos alunos saídos do Instituto em curso de nível mais alto de
estabelecimentos particulares ou públicos, e com o expressivo número de aprovações em
vestibulares para cursos do ensino superior.
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